quinta-feira, 26 de julho de 2007

26 de julho de 2007

Mais um dia tipicamente turístico ontem. Sempre acordo cedo, mas entre tomar banho, escolher a roupa do dia (toda uma ciência, mesmo que eu sempre saia de jeans e camiseta), dar uma arrumada no quarto, escrever o diário e procurar uma internet pra atualizar, já são dez e meia, onze horas quando afinal consigo cair no mundo.
Seria mais fácil se eu pudesse usar por dez minutos o computador do hotel pra carregar o post do blog, mas sempre tem um desocupado olhando as notícias do Pan, ou algum adolescente no orkut ou msn. E adivinha. Sempre compatriotas.
O pior é que ontem a Cintia me mandou um e-mail com um artigo sobre a brasileirização do mundo, como alguns sociólogos (de fora do Brasil, hein?) chegaram à conclusão de que fenômenos sociais e comportamentais aparecem na nossa adorável terrinha antes, e depois se espalham como uma peste pelo resto do globo. Mais pior ainda? Ontem, conversando com um amigo, ele mencionou, cheio de dedos, a brasileirização da Argentina (empobrecimento da população, aumento da desigualdade social, sucateamento da infraestrutura, etc), sem que eu tivesse sequer mencionado o e-mail da Cin. Algo me diz que, por mais assustador que seja, o fenômeno é real. Medo. Tenham muito medo.
Mas voltando a assuntos mais amenos e menos aterrorizantes. No fim da manhã minha mãe e eu saímos pela avenida de Mayo, destino calle Florida. Enroscamos na primeira loja. Na segunda (que era uma livraria). Na terceira. Bem mais carregadas, chegamos ao que seria uma parada para tomar algo. Era o Café Tortoni, famosíssimo por ter sido um ponto de encontro de Borges e outros escritores e artistas. Acabamos ficando umas duas horas lá, almoçamos e tomamos vinho (que café, o quê!). Sugestão: se vierem a Buenos Aires, não percam esse programa por nada do mundo.
Depois de comer, meio vacilantes das pernas, nos separamos. Minha mãe voltou ao hotel e eu saí para percorrer Florida (leia-se visitar a livraria El Ateneo).
Pelo meio do caminho fiquei pela Plaza de Mayo, onde depois de muitos anos visitei a Catedral, imponente e solene. Já estava de saída quando o órgão começou a soar. Que bonito!
Na Plaza de Mayo queria visitar, ainda, o Cabildo, talvez o edifício histórico mais importante da Argentina, pois ali foi declarada a independência. Cheguei a entrar no prédio, mas desisti. Havia uma manifestação do MST (!) ali do lado, barulhenta, com um sujeito cantando pelo alto-falante uma ladainha engajada, horrorosa, desafinada. Tinham fechado duas ruas e soltavam rojões um atrás do outro. Guardas de trânsito tentavam por ordem na baderna. Com medo que a coisa deteriorasse, resolvi me afastar. Já saindo da praça, escuto o seguinte diálogo entre duas vendedoras de rua. "Y... eso lo vamos a tener por toda la tarde", afirmou uma, aborrecida. "Siiiii, porque esos son de los pesados", respondeu a outra, com ar de entendedora.
Então cheguei a Florida. Uma hoste de brasileiros num frenesi de comprar, pra variar. Os mais diversos sotaques brasileiros, discutindo preços, comparando câmbio, decidindo em que loja entrar. Num dado ponto havia um daqueles mímicos de rua, que ficam parados como estátuas. Esse estava vestido de demônio! No meio da audiência que se juntara a seu redor, duas mocinhas com vestidos típicos de algum luar (que concluí serem mexicanas). O demônio estava tentando convencer a menina a tirar uma foto com ele, sob as risadas da platéia. Quando estendeu a mão e tentou pegá-la pelo braço, ela deu um grito de terror e saiu correndo, arrastando a amiga que tentava segurá-la. Vai ver que o sujeito era mesmo um demônio, e só ela percebeu... Mais adiante, um turista italiano dançava tango com uma moça de um grupo de dança. O sujeito estava dando um show. Até os próprios argentinos paravam para olhar, e trocavam comentários de aprovação.
Afinal consegui passar algum tempo em El Ateneo e comprar algumas coisas interessantes sobre arte, dinossauros e lobisomens. Desta vez, nada de vampiros.
Saindo da livraria, o passeio prolongou-se até a Plaza San Martín, linda, com árvores imensas e amplos passeios. Ali, numa área fechada, os cachorreiros (os passeadores de cachorros tão típicos de B. A.), deixam livres seus protegidos, que correm, brincam, fazem cocô e xixi, estabelecem sua rede de relacionamentos e latem alucinados para os semelhantes que passam do lado de fora. Um barato. Cachorros grandes, pequenos, velhos, peludos, pelados, sujos, limpos, de tudo. A maioria de roupinha. Um tinha tipo uma camiseta de mangas longas enfiada nas patas da frente. Fiquei um tempão ali olhando, e de vez em quando acariciando um labrador que me seguia ao redor da grade.
Voltei dali para o hotel, descansei um pouco e às sete e meia já tomava o metrô para ir me encontrar com amigos. Aquela linha de metrô era velhíssima! Nos vagões, bancos de madeira e iluminação com a abajures de teto e lâmpadas incandescentes! As portas eram abertas pelos próprios usuários. Uma viagem no tempo.
Fomos a La Violeta, um bar antigo que foi remodelado, lindíssimo. Outro programa que recomendo. Pedimos uma tábua de frios e queijos e, claro, vinho.
Demos a noite por encerrada às onze e meia, e para minha surpresa, me informaram que o metrô já tinha fechado. Meus amigos me acompanharam até o ponto do ônibus, me explicaram direitinho onde tinha que descer e eu, claro, desci no lugar errado, várias quadras antes. Foi uma linda caminhada pela avenida de Mayo, à meia-noite, e cheguei sã e salva ao hotel. Claro que tinha um brazuca olhando as notícias do Pan. Putz, se tivesse ficado no Brasil ia ser mais fácil de acompanhar os jogos, né?!

beijos a todos!
Martha Argel

quarta-feira, 25 de julho de 2007

25 de julho de 2007

Ontem tive um típico dia de turista em Buenos Aires. Nos enrolamos no hotel de manhã, esperando que os primos Suzana e Negro chegassem de Rauch. Enquanto isso, deleitei-me com o charme e a malemolência de nossos compatriotas no saguão do hotel, principalmente os adolescentes idiotas que não saíam do orkut, no computador disponibilizado para os hóspedes, ao lado do qual um cartazinho rogava que o tempo de uso não superasse os quinze minutos. Rá.
Só saímos ao meio-dia, e logo estávamos na calle Florida, reduto dos brazucas consumistas aqui em terras austrais. Jesus amado. Um mar de tapuias ávidos por investir em pechinchas duvidosas seus reais transformados em pesos e dólares. Eu estava por pedir arrego, por falta de ar e uma incipiente alergia aos conterrâneos, quando minha prima nos arranca do caos e nos leva por uma rua lateral. Ufa! Destino: uma loja com um nome absolutamente improvável.
"Vamos a Perramus".
E foi em Perramus que se produziu um milagre. Depois de anos de busca infrutífera, comprei fi-nal-men-te meu sobretudo longo! Custou tão, mas tão caro, que minha posterior visita à famosa livraria El Ateneo foi estéril e inútil. Estado de choque.
Não tive outro remédio senão voltar ao hotel, largar as poucas compras que tinha feito, vestir meu sobretudo novo e cair na rua outra vez.
Fui para a avenida Corrientes, a meca portenha do livro barato, e junto com meu amigo Juan passamos em revista umas dez ou quinze. O estado de choque já tinha passado, e comprei vários livros, mas não encontrei os dois que queria – um está esgotado, e o outro parece que não existe.
Teve um diálogo que foi uma pérola: "O senhor tem o livro de Rodolfo Coria, Los dinosaurios en la Patagonia? " E o livreiro, com cara de ofendido: "No, no, señora! Mas se esse livro está esgotado faz muito, porque é um trabalho muito sério sobre os dinossauros da nossa Patagônia! "
Como disse o Juan, "Gostei da inteligência do comentário". Vai que de repente o título da obra me levasse a crer que o livro era sobre os besouros do Chile.
Durante nossa caminhada, enfrentamos algumas vezes uma turba diferente dos turistas verde-amarelos: crianças. Milhares delas. Com o começo das férias de inverno, elas estão por toda parte, um tsunami nanico, ruidoso e totalmente fora de controle.
No fim, quando escureceu, entramos no café La Paz, em Corrientes e Uruguay (acho), onde o sistema de vedação da área dos fumantes é bem menos que perfeito. Daí a pouco eu não podia respirar. Minha amiga Ana Inés chegou, e Juan se foi. Apesar da poluição atmosférica, e do óbvio resfriado dela, ficamos conversando por umas duas horas. Quando resolvi que já tinha alugado demais a coitada, e sugeri que ela fosse embora pra casa, descansar, ela me perguntou o que eu planejava fazer.
"Continuar visitando as livrarias". Eram umas oito e meia da noite. "Ah, então vou com você". Isso por mais quase uma hora. Não há resfriado, nem frio, que detenha um bibliófilo alucinado!
No meio da caçada literária, passamos por El Gato Negro, um café onde eu já tinha estado uns anos antes, e que vende especiarias. Um monte delas eu nunca tinha visto antes. Acabei comprando coriandro e junípero, pra fazer vinho quente quando volte ao Brasil. Putz, fazia uns três anos que eu buscava esses dois condimentos.
Depois de me despedir de Ana Inés, voltei caminhando, quase dez e meia da noite, por avenidas cheias de gente. Isto é Buenos Aires.
E hoje tem mais... apesar do frio que voltou!

Besos y quesos
Martha Argel

terça-feira, 24 de julho de 2007

21 a 24 de julho

Em Buenos Aires, estou novamente conectada com o mundo!!!
Nos últimos dias, nao deixei de escrever o diário, o problema é que nao tinha como carregar.
Agora, vai tudo de uma vez!
Divirtam-se!

beijosssss
M

21 de julho de 2007

Estou em La Plata, na casa de minha prima Maria Delia. Menos frio, mais cidade, e muitas risadas.
Falamos tanto que não tenho tempo de atualizar o diário!

18 de julho. Três dias atrás, o último que passei em Rauch, o dia foi bem jururu, por conta da depressão pós-acidente. Se eu sentia aqui, imagino como se sentiam as pessoas aí no Brasil. Passei a manhã tentando achar notícias na internet, mas naquela lerdeza internética do interior pampeano, a tarefa era inglória. Desisti e fui "hacer unos mandados". De tarde voltei a tentar conectar-me, e dessa vez foi pior ainda – uma vez mais toda a internet estava ruim na cidade inteira. De resto, só me despedi de todo mundo, fiz as malas e comecei a pensar na próxima etapa da viagem.

19 de julho. A logística da viagem foi meio complicada. Os ônibus para La Plata tinham horários muito ruins, e acabei decidindo que o melhor era o das sete e dez da manhã, madrugada pelos padrões invernais argentinos. Como chegar à rodoviária, a meras três quadras da casa de Suzana, carregando as malas e em plena noite? Tive de tomar um táxi, imaginem só. A coisa mais engraçada: como as distâncias são tão curtas, o pessoal dirige beeeeeem devagar, que é pra viagem durar mais (e não estou falando do táxi, isso é todo mundo!).
De forma que, às sete da manhã, estava eu congelando de frio, esperando o ônibus de pé, porque os bancos eram de metal... e eu não queria gelar a bunda!
O ônibus chegou só dez minutos atrasado, a viagem foi tranqüila, ninguém fumou e cheguei a La Plata na hora exata. Desci do ônibus numa esquina qualquer, e então lembrei que não tinha o endereço de minha prima. Quando liguei pra casa dela, ela não estava. Lembrei de ligar para o celular, e ela estava me esperando numa esquina onde eu não tinha descido porque o motorista não quis. No fim, ela veio andando até onde eu estava, voltamos andando (e carregando as malas) até a casa dela, e tudo terminou bem.
A casa é super-acolhedora, assim como minha prima. Passamos o resto da tarde falando e rindo, até que chegou Daniela, a filha dela, que estuda biologia. Então continuamos falando e rindo, até que desistimos e fomos dormir.

20 de julho. Ontem continuamos rindo e falando por toda manhã. Era o Dia do Amigo aqui. No Brasil também tem isso?! Tentei ligar para o celular de minha mãe e não consegui. A mocinha que me atendeu no cibercafé, Lucrecia (o mesmo nome da que trabalhava no ciber em Rauch, será um complô?), me disse que as linhas telefônicas estavam saturadas por causa do dia do amigo. Putz! Depois minha prima me disse que durante o dia do amigo 800 milhões de mensagens de texto foram mandadas por celular na Argentina!
De tarde Daniela e eu fomos ao Museu de La Plata, onde ela estagia. O prédio é maravilhoso, antigo, com escadarias, colunas, pé direito altíssimo com grandes janelas. Visitamos a exposição e vi dinossauros, megatérios e gliptodonte.Ueba! Uma das salas mais lindas é a que está abarrotada com dezenas de esqueletos enormes de mamíferos, até pendurados do teto. Bem século dezenove. Deve estar exatamente igual ao que estava quando o museu foi inaugurado (quando estiver de volta ao Brasil, espero colocar as fotos no multiply!). Depois de percorrer a parte aberta ao público, fomos à parte reservada, onde Daniela estagia. Adoro as entranhas de museus, quem acompanha meus diários de viagem já deve ter percebido. Passamos por salas abandonadas, com múmias e esqueletos que me lembro de ter visto quando criança, subimos por escadas geladas e atravessamos galerias escuras e desertas. No final, saímos a um corredor no teto do museu. Uau. No fim do corredor, por uma porta chegamos a uma ala de laboratórios. Putz, dá pena. A pesquisa científica na Argentina é muito mais difícil que no Brasil. Os cientistas argentinos não têm equipamentos, verba e muitos nem mesmo salário têm. Tudo tão, mas tão precário, e não obstante eles seguem em frente. Meu, dá dó ver tanta determinação e perseverança, tanta qualidade de trabalho e tanto sofrimento. Daniela me mostrou a sala onde trabalha com produção primária de campos naturais – só vi sacos plásticos de lixo, uma balança velha, uma mesa de madeira e o sinal das décadas. Mas tenho certeza de que o artigo científico que vai resultar do esforço dela vai ser de primeira.
Não podia parar de pensar nos últimos museus que visitei, o Royal Ontario Museum e o American Museum of Natural History. Life is not always fair.
Depois do museu, saímos para fazer uma caminhada pela cidade. Já anoitecia. Daniela me levou a lugares lindos, praças, edifícios históricos, um centro cultural maravilhoso. Aí havia uma exposição de Salvador Dalí, mas era paga e não quisemos entrar. Mas havia outra de um pintor local, que assina Cardén, e como era grátis, entramos. Quadros lindos, pelo menos para meu gosto. O artista retrata lugares e cenas de La Plata. De repente, uma pintura me chamou a atenção. "Daniela, corre aqui! Não é o teto do museu, por onde a gente passou hoje?!" Caraca, era!!!! Que coincidência mais bizarra! (quando puder, coloco no ar a foto do quadro e vocês vão ver como é o lugar).
Retomamos o passeio, e já era noite. As ruas estavam totalmente abarrotadas de gente. É o costume no Dia do Amigo. Todo mundo sai para se reunir com seus amigos. Se encontram nas praças, fazem picnics, tocam música, enchem a cara, fumam unzinho. Lindo. A coisa vai embora, madrugada adentro. No dia seguinte, o centro está nojento de tanto lixo, sacos plásticos, embalagens de bolachas, garrafas vazias.
O último ponto que visitamos foi a Plaza Moreno, ponto de encontro principal durante o dia. A multidão já estava indo embora, deixando detrás de si um rastro de detritos. A praça, defronte à belíssima catedral, tem várias estátuas que, como Daniela me contou e demonstrou, fazem sinal de chifres, todas, com o indicador e mínimo em direção à casa do senhor. Muito interessante.
Tomamos um ônibus repleto para voltar pra casa. Num ato de genialidade, nos havíamos nos afastado da praça até um ponto distante cerca de meio quilômetro, para só então subirmos. O ônibus lotou tanto que, quando passamos pelo ponto da praça, sequer parou. Hahaha.
Bom, enquanto o dia ontem estava lindo e ensolarado, hoje já nasceu nublado e feio. Dizem que o frio volta. Até hoje todos falam da neve e de como está forte esse inverno. Azar o meu. Fiquei só com a parte ruim. Mas sobreviverei!

Beijos e queijos a todos!
Martha Argel


22 de julho de 2007

Ontem fiquei emputecida por não conseguir postar o loooongo texto que tinha escrito. No ciber, não podia colocar CD em nenhuma máquina. Droga.
Foi um dia muito jururu. Nublado, úmido, e a temperatura voltou a cair. Não dava vontade de botar o nariz fora de casa. O único lugar a que fomos foi uma distribuidora de "golosinas", a três quadras da casa de minha prima. Imaginem só, chocolate por atacado. Uaaaaaah! Vocês não têm idéia do despropósito que foi. Vou voltar pro Brasil rolando.
Fora isso, fiquei trabalhando no livro das aves do Brasil. E, claro, rindo e falando.
Desta vez, nossas vítimas foram nossos ancestrais bascos e italianos. Os alvos favoritos foram os bisavôs ou trisavôs Quirico e Giosne, e as bisavós, tataravós, tias-trisavós, todas elas Marias ou Maries. Entre elas, Marie Etchalecou levou a taça. Que raio de sobrenome!
Pois é, o que o inverno não faz a gente fazer. Ficar trancado em casa, diante do calefactor sacaneando gente que morreu há mais de um século.
Amanhã deixo La Plata. Espero conseguir atualizar o blog quando estiver em Buenos Aires.

Beijos e queijos
Martha Argel


23 de julho de 2007

Putz, o frio polar voltou com tudo (e polar aqui é literal; a frente fria está mesmo chegando da Antártica!). Esta noite, meu nariz ficou gelado. Em nenhuma noite isso tinha acontecido.
Vi ontem na televisão que nos próximos dias são esperadas temperaturas abaixo de zero. Ai. O repórter perguntou à climatóloga, esperançoso, o que todo mundo quer saber: já que vamos sofrer, pelo menos vamos ter neve? E ela, toda séria, explicando que o aquecimento global, que a irresponsabilidade das pessoas, que a seriedade da ciência, que no fim das contas não ia dizer nada. Muito, muito compenetrada. Aí o repórter: "mas ao menos podemos sonhar, não?" E ela abre num sorriso infantil: "ah, sim, vamos torcer, quem sabe volta a nevar".
O dia ontem foi tão miserável quanto anteontem. Talvez mais, pois não só continuou chovendo como a temperatura continuou caindo, e ficou por volta dos seis graus. Com as deficiências de aquecimento das casas aqui, jesus amado!
Algo inesperado: um leitor meu me telefonou, um amigo de minha prima que, pra variar, é biólogo e adora vampiros. Puxa vida! Tenho mesmo leitores aqui na Argentina!
Na hora em que falávamos ao telefone, mais uma surpresa: um alarme de carro dispara na frente de casa, e eram minha mãe com meu primo Ernesto que vinham nos visitar. Eita!
Como nos divertimos. Meu primo é um genealogista (existe essa palavra?) amador e há anos vem estudando nossos antepassados. E dá-lhe contar histórias ancestrais.
Moral da história: ele já traçou a origem de todos os bisavôs dele, exceto... quem? Claro, nosso bisavô Pedro Argel. Mas ele me contou que a família vivia mesmo no país basco francês, embora provavelmente tenha vindo de algum outro lugar. E há variações do sobrenome, como Archel e Argeles. Bacana, né?
Eles se foram cedo, porque o dia estava mesmo miserável, e ainda por cima meu primo (tão fanático por esporte quanto a irmã María Délia) queria assistir a um jogo de futebol. Sem nada pra fazer, nós três inventamos uma sessão de fotos, e passamos um bom tempo gargalhando das palhaçadas que inventamos.
Fazia tanto frio que logo, a cama era a única opção...

Beijos e queijos novamente gelados a todos
Martha Argel.

24 de julho de 2007

Mais uma etapa da viagem ontem: a viagem La Plata – Buenos Aires foi tranqüila e rápida. O frio intenso do começo da manhã arrefeceu rapidamente, e o resto do dia foi muito mais suportável que os que passei em Rauch.
Como Buenos Aires é linda. Sair do subúrbio onde vive minha prima, e de repente ver-se numa calçada movimentada, em plena avenida 9 de Julho, foi como um ato de mágica. Aquele monte de pessoas apressadas e elegantes, os edifícios altos, antigos e de ar muito europeu... O conjunto é muito Buenos Aires. Não tem como confundir BsAs com nenhuma outra metrópole.
Puxa vida, nos últimos meses estive em Toronto, Nova York, Rio de Janeiro, São Paulo (claro!) e agora Buenos Aires. O que falta? Cidade do México, talvez. Ah, quem me dera!
Daniela veio comigo desde La Plata, o que foi uma mão na roda considerando-se o tamanho de minhas malas.
Nem bem me instalei no quarto, minha mãe chegou de Monte Grande, e saímos para comer. Espantosamente, nenhuma de nós pediu carne argentina! Eu estava com saudades de meu franguinho light com salada, minha mãe pediu tortilla e minha prima adora nhoques.
Depois do almoço, acompanhei Daniela, que precisava visitar sua sogra, e passamos horas divertidas com Evis e Jorge, ela psiquiatra, ele escritor-músico-revisor de textos. Muito boa gente, os dois!
Daniela se foi no fim da tarde, e eu bati perna pela cidade até que anoiteceu. Ficar no hotel mofando? Nem pensar, isto é Buenos Aires! Assim, convenci minha mãe e fizemos um lindo passeio noturno pela Avenida de Mayo, conhecendo os edifícios históricos, a maioria dos primeiros anos do século vinte. Acabamos no restaurante do Palácio Barolo, uma das jóias da arquitetura portenha, e pedimos uma tábua de frios e queijos, que consumimos enquanto nos embebedávamos, ela com chopp escuro, eu com vinho tinto.
Depois disso, ainda passeei mais um tempo pelas ruas ainda cheias de gente, enquanto dona Martha voltou pro hotel.
Hoje tem mais. Oba!

Besos, fríos y quesos a todos!
Martha Argel

PS. Acho que achei um passatempo novo. Cada linha de ônibus urbano, aqui, tem um padrão de cor diferente e pertence a uma companhia diferente. Tenho um guia da cidade de tem o itinerário e o desenhinho de todos os ônibus. Ontem um procurava no guia cada um que passava. Vou começar a anotar. Não tem os train-spotters? Então, agora sou uma bus-spotter!

sábado, 21 de julho de 2007

INTERVALO A CONTRAGOSTO

Raios!!!!
Preparei um post lindo, atualizando o diário com todo cuidado, e o que acontece?!
Simplesmente sou sabotada pela tecnologia (ou falta de).
Aqui neste ciber nao posso carregar o arquivo a partir do CD. Putz, cada vez pior, a coisa, hein???
E isso que já nao estou no interior, e sim numa grande cidade, La Plata...
Pois bem, sim, estou PUTA.
Acho que agora, só segunda feira, mesmo.
Tenham todos um ótimo final de semana.

beijos e queijos
Martha Argel

quarta-feira, 18 de julho de 2007

17-18 de julho de 2007

(ontem deu uma merda geral na internet aqui na cidade, e nao pude postar o que tinha escrito. posto hoje, sem muita vontade, passada com o acidente terrível ocorrido em minha cidade)

17 de julho de 2007

Dizem que não existe cansaço acumulado. Sei lá. O fato é que, de uns dias pra cá, bateu uma vontade de trabalhar que há muito eu não sentia. Depois dos primeiros dias de lezeira total, não consigo mais ficar na cama por muito tempo, dá uma vontade danada de levantar e fazer algo que preste.
Ontem, mais uma vez, às seis e meia estava diante do computador trabalhando no livro das aves do Brasil. Como a consciência começa a pesar se eu também não fizer algo físico, dei o trabalho por encerrado às dez e meia e saí para, como se diz aqui, "hacer unos mandados", ou seja, fazer as coisas que se tem que fazer na rua. O frio já tinha diminuído de forma sensível. Hurra!
Passei por um dos dois caixas eletrônicos que existem na cidade, fui à livraria bater papo com o dono, Gabriel Fedor (que nome!), e então me encontrei com minha mãe e uma amiga dela para tomar algo e "picar" (comer uns aperitivos) no café Paris (se pronuncia Páris).
O Paris parece algum lugar saído de um filme. Antiquado, acolhedor, com uma dúzia de mesas de cadeira maciça e cadeiras pesadas de assento estofado. Os fregueses são pessoas de meia idade que se encontram aí para conversar e, detalhe importante, observar pela enorme vidraça a vida que passa na calçada em frente. Cada um que desfilava diante da vidraça do Paris era objeto de um longo e detalhado relatório por parte da amiga de minha mãe, uma senhora elegante, de belos olhos azuis e porte aristocrático.
"Y... Así es la vida en el pueblo, ¿viste?" Assim é a vida na cidade pequena. Não há muito o que fazer a não ser manter-se a par da vida alheia.
"Agora já não é como antes. Antes se conhecia todo mundo, agora já tem tanta gente jovem que não dá pra saber quem são". A cidade cresce. Os velhos costumes são duros de manter. Mas nestes dias vi gente novinha mantendo a tradição. "Que sobrenome tem?" Filho de fulana, vizinho do velho sicrano, o avô é o falecido beltrano.
E sem perceber de repente você se vê privando da intimidade de gente que morreu há vinte, trinta anos. Mas o passado, no "pueblo", não morre, e quando diferentes gerações se reúnem a "matear", pontes formam-se através das décadas, histórias antigas repetem-se, enriquecidas pelo presente, enriquecendo novas histórias. Campo fértil para um historiador. Não vi nenhum historiador profissional por aqui, mas historiadores amadores os há de monte.
Entre os Argel há uma verdadeira paixão em traçar sua própria história, talvez por ser um sobrenome tão peculiar, tão único. Aparentemente, todos os Argel, ao menos na América do Sul, provém do mesmo e diminuto estoque original que aportou aqui vindo da Vascongada francesa, a quase desconhecida porção do País Basco que a fronteira separou das muito mais conhecidas províncias bascas da Espanha – Alava, Guipúzcoa e Navarroa, aprendi quando era criança.
Os Argel percorrem a Argentina, cruzam o "charco" (o Oceano Atlântico), entrevistam os poucos velhos que restam, buscam os outros Argel. Criam teorias, revelam histórias que ninguém sabe se são reais. Como boa Argel, faço também minha parte. Um dia vou escrever um livro, minha versão fantasiosa dos Argel, família misteriosa que simplesmente surgiu na América, pois ninguém ainda a encontrou, ou a sua origem, no Velho Mundo... Peculiar simetria: uma família basca repetindo o própria história do povo basco.
Afff, que digressão genealógica de uma herdeira das tradições vilarinhas!
Voltando a um passado bem mais recente, depois do ritual no Paris fui ao cibercafé colocar em dia minhas obrigações eletrônicas. Lucrécia, que atende atrás do balcão, abriu um sorriso. Eu tinha reaparecido depois de vários dias! O fato é que Sérgio, outras das pessoas que trabalha ali, e que também tem um programa em uma rádio local, estava doido atrás de mim. Ele já tinha até divulgado no ar que ia entrevistar "em breve", uma escritora brasileña que andava pela cidade... e a referida escritora tinha sumido! Putz, eu já tinha dito que não queria falar pela rádio, muito menos ao vivo... Mas parece que ninguém deu muita bola. Não tive como escapar. Assim, se algum de vocês aí estiver passando por Rauch hoje, às dez e meia da manhã, não perca, hein?!
No fim da tarde (pouco depois das cinco!), depois de "hacer unos mandados más", fui visitar uma amiga, Anita, e me arrependi de não ter feito isso antes. Anita é cheia de energia, de iniciativa, uma daquelas pessoas que dá vida a um lugar morto como este, que sente um prazer imenso em conectar as pessoas. Pegou o celular e num instante comunicou a meio pueblo que eu estava aqui, e restabeleceu contatos que fiz anos atrás e tinha esquecido.
Puxa vida, que droga. Demoro em sair da toca, e aparece um monte de coisa interessante pra fazer, justo quando acabo de traçar os planos para sair da cidade.
Bom, não dá pra gente fazer tudo, né? E descansar um pouco às vezes é necessário. Se bem que descansar demais pode ser um saco...

Beijos (não tão gelados) e queijos (con dulce de membrillo) a todos!
Martha Argel


18 de julho de 2007

Chocada com a acidente de ontem. Tão perto de minha casa, e eu tão longe.
Nem dá vontade de relatar minha aventuras tão banais, mas vá lá, pra cumprir tabela, mesmo porque enquanto as coisas aconteciam eu, sem uma bolo de cristal à mão, estava me divertindo muito.
Primeiro, não atualizei o blog com o que tinha escrito porque esqueci o cabo do iPod em casa quando fui ao ciber, e depois quando voltei a internet não funcionava (como de resto não funcionava em toda a cidade!).
Depois dei a entrevista na rádio R, e embora não me lembre direito do que falei, parece que as pessoas curtiram, porque um monte de gente veio falar comigo e disseram que adoraram.
Aí saí pra tomar um café com um amigo meu que é repórter do jornal local, e depois fui almoçar com minha mãe e suas amigas.
À tarde, depois de voltar ao ciber e xingar por um bom tempo, desisti, fui pra livraria Fedor (de novo, que nome!)e lá passei um com tempo – e gastei uma boa grana! Quer dizer, boa em termos, comprei sete livros e gastei uns noventa reais.
De noite fui à casa de uma amiga, depois a um aniversário de criança e então à casa de uma prima.
Que dia!
Bom, espero que a internet tenha voltado. Estar longe de casa e não ter notícias é horrível.

Martha Argel

PS. este é meu último dia aqui em Rauch. Amanhã viajo cedo para La Plata. Não sei se terei acesso à internet pelos próximos dias.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

16 de julho de 2007

Lá se foi o fim de semana. Nem vi passar. Como se estivesse em casa: trabalhei pra carai. De repente bateu uma dor danada na consciência, e me vi levantando de madrugada (bom, seis e meia da manhã, nestas latitudes austrais, é de madrugada) pra trabalhar no livro de aves brasileiras, pés gelados e tudo.
Parece que nunca sai do lugar!
No sábado de tarde, saímos para visitar parentes. Entra aqui, toma um mate (é como o chimarrão se chama aqui na Argentina). Entra ali, toma mais um mate. Bater papo e colocar a conversa em dia, sem mate nem pensar!
No meio da parentada toda, reencontrei-me com minha prima Alicia, que mora em Ushuaia, no fim do mundo. Dez anos atrás, tentei visitá-la. Digo "tentei" porque, embora eu tenha passado 15 dias lá, foi justo quando ela estava aqui em Rauch. O mais engraçado foi que, dez anos depois, ela me contou que, ao chegar em casa então, depois que eu já havia partido de volta para o Brasil, havia recados para mim em sua secretária-eletrônica! Imaginem só, alguém que chega pra você e diz: "ah, em 1997, quando cheguei em casa, tinha dois recados de um amigo seu pra você".
(Claro, depois que voltei daquela viagem, encontrei a pessoa que tentara me encontrar na Terra do Fogo, e a verdade é que continuei me encontrando com ele por muitos anos. Vejam só, um cara foi até o fim do mundo à minha procura. E não é modo de falar! Quantas mulheres mais podem dizer isso?!).
Ontem, domingo, passamos o dia na fazenda de minha prima Susana. Foi uma delícia. O lugar é bonito, e meu primo fez um churrasco de costela e frango, que estava o máximo. Descobri que maçã verde assada é demais!
Pra variar, exagerei na comida. Acreditem, é impossível vir pra Argentina e comer pouco.

beijos e queijos a todos!
Martha Argel

sábado, 14 de julho de 2007

14 de julho de 2007

Nada de neve, droga. Estava seco demais.
Pois é, passamos o da inteiro em Tandil. Às nove da manhã, um termômetro na rua marcava zero grau, o que significa que durante a noite a temperatura esteve negativa. Dizem que esteve a menos seis, mas não creio. Dizem também que até congelou uma represa que tem por lá. Também não creio.
Meu testemunho pessoal é: saímos de Rauch ainda no escuro e pegamos o amanhecer no meio do caminho – (amanhece super tarde, por volta das oito e meia, e anoitece cedo. Quando clareou, eu não podia ver a paisagem porque as janelas de trás da camionete estavam embaçados. Então tentei limpar, e descobri que não era vapor, mas uma camada de gelo que revestia o vidro por dentro!
Em suma: fazia um frio do cão, mas isso não nos impediu de passar a manhã inteira batendo perna e fazendo compras. O frio, aliás, é um excelente pretexto pra entrar num café e ficar lá sentado, comendo e batendo papo, e olhando as pessoas passarem encolhidas e apressadas na rua.
Me chamou a atenção a quantidade de produtos brasileiros a venda nas lojas, incluindo até mesmo tênis, botas de couro e chocolates!
Na hora em que todas as lojas fecharam para a siesta (sim, o hábito se mantém!), fomos comer. O self-service é daquele tipo burro que tem na (caríssima) lanchonete do MASP, em Sampa: você não pega a quantidade que quer do que quer, como nos "por quilo". Você compra a porção... e que porção! Imensa! Aí acaba não podendo comer toda a variedade que quer, e sobra tudo o que não consegue comer...
Depois do almoço passeamos pelos arredores da cidade, pelas montanhas que são tão raras nestas paragens. Como em toda montanha próxima a cidades, uma inundação de chalés, pousadas, hotéis, tudo num estilo alpino-fake, todo fofinho. Deve ser algo inerente ao ser humano, porque muda o país mas o impulso de "alpinizar" a paisagem é incontrolável.
Na rápida volta às compras pós-passeio, acabei não resistindo: me enfiei numa livraria, eeeeeh!
De novo: incrível a variedade de títulos numa livraria dessas, de cidade do interior. Acabei achando até uma coisa bizarra, uma edição em espanhol de um autor brasileiro de fantasia que é esnobado por muita gente "do meio" no Brasil. O pessoal fala mal e menospreza, mas o fato é que ele foi traduzido, e os detratores não. Ele está numa livraria em Tandil, Argentina, e os críticos não. Tudo bem que estava numa mesa de ofertas, mas nada é perfeito, né? Mesmo porque ele estava em excelente companhia, cercado de clássicos e best-sellers.
Chegamos em Rauch só de noite (grande coisa! Anoitece às seis!), e jantamos pizza feita em casa acompanhada por algo bem argentino: um vinho tinto maravilhoso (Norton Malbec D.O.C., Reserva Especial) que se chegasse no Brasil custaria uma fortuna!

Beijos e queijos a todos!
Martha Argel

P.S. se alguém aí se interessa... meus pés estão gelados.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

12 de julho de 2007

Definitivamente, com esse céu limpo, não vai haver mais neve. Droga.
Não obstante (é uma boa expressão, não?), pela manhã as temperaturas continuam abaixo de zero. Minha prima acaba de entrar revoltada: de novo foi lavar a calçada e a água congelou. De novo temos a zona de perigo diante da porta.
O dia de ontem foi de tanta lezeira quanto anteontem. Fiquei em casa toda a manhã, trabalhando em um conto que não vai em frente nem com reza brava. Acho que o cérebro ainda estava congelado (assim como os pés).
De tarde, saí para visitar minha tia Dora, já velhinha, tão encorujada que, instalada em sua cadeira de balanço, fica com os pezinhos pendurados no ar. Parece uma bruxa do bem, com os olhos claros arregalados por trás dos óculos de lentes gordas. Na sala quentinha, também estava tio Pibe, sentado em sua cadeira favorita, ao lado da janela, de onde vigia tudo o que se passa na rua. Tio Pibe é basco. Aqui na Argentina se diz que os quanto mais velhos os bascos ficam, mas próximos fica o nariz do queixo. Tio Pibe deve ter uns cento e cinqüenta anos.
Seriam umas quatro da tarde quando resolvi ir ao cibercafé (que de café não tem nada, é um computador num posto telefônico, que aqui se chamam locutórios e são mais comuns que ratos). Para chegar lá atravessei o conjunto de praças que há no centro. Tão, tão lindo! As árvores sem folhas, tudo tão limpinho, as pessoas encolhidas detrás de seus cachecóis... Como o inverno é lindo, apesar do frio insuportável.
Depois dos deveres internéticos, dei um pulo numa livraria que havia visitado três anos atrás. É incrível que uma cidadezinha como esta tenha uma livraria maravilhosa como aquela. Mesmo em São Paulo é difícil achar a variedade de livros que os donos, Gabriel e Claudia, conseguiram juntar ali. Basta dizer que entrei procurando dois contos... e saí com os dois! E olha que eu sabia apenas o nome de um deles, e do outro nem isso! Dá-lhe, Gabriel!
Hoje os planos incluem ir comer churrasco com Chichina, uma amiga de minha mãe, divertidíssima, e depois voltar à livraria para bater papo com Gabriel e garimpar um pouco mais..
Amanhã não devo postar, pois viajaremos para Tandil, a uns 80 km daqui. É uma cidade linda, situada no sopé de uma das raras serras que rompem a interminável planície pampeana. E, pela altitude, é um lugar frio. Muito frio. Quem sabe de repente rola uma nevezinha básica.

Beijos e queijos a todos!
Martha Argel
PS – e JURO que hoje faz mais frio que nos outros dias!!!

quarta-feira, 11 de julho de 2007

11 de julho de 2007

Meus pés continuam gelados, e a possibilidade de ver neve vai se tornando remota.
Ontem demoramos a sair de casa. O sol lá fora não enganava. O azul do céu também não. Quando por fim saímos, e já passava das dez, a faxineira de minha prima avisou: cuidado com a calçada, que tentei lavar e não consegui. O fato é que ela jogou água nas pedras do calçamento e quando foi secar com um trapo, congelou tudo. O trapo ficou grudado. Moral da história, havia uma fina camada de gelo a cruzar, no trajeto entre porta e rua. Putz. Não tem NADA tão escorregadio quanto uma calçada de pedra coberta de gelo.
Mas atravessamos galhardamente o obstáculo e ganhamos o mundo.
Até que não parecia tão frio, mas o gelo que víamos aqui e ali nos mostrava que continuávamos abaixo de zero. As pessoas que passavam de bicicleta e de moto sem exceção iam enroladas em cachecóis, só os olhos de fora. Todo mundo parecia gordo, apressado, arrepiado, encolhido. E reclamava do frio.
De novo a constatação curiosa: nós que moramos em lugares quentes achamos que quem vive onde tem inverno de verdade está acostumado ao frio. Mas não. Não tem um lugar frio em que eu tenha estado onde os nativos não vociferem sem cessar contra as baixas temperaturas. Seres humanos, todos iguais. Reclamar é o barato. Do que quer que seja.
Depois de conseguirmos dinheiro num caixa automático (viva a tecnologia!), e de umas comprinhas básicas, minha mãe teve a genial idéia de comprar um celular. Sessenta pesos (uns cinqüenta reais, talvez?) e pronto. Temos nosso próprio número na Argentina (de novo, viva a tecnologia!).
Embora as temperaturas subissem acima de zero com o passar das horas, o resto do dia não teve mais muita novidade. Quem sabe a criatividade também se congela sob frio intenso.
Passei praticamente toda a tarde dentro de casa, trabalhando ao computador (hã... como era mesmo aquele lance de viva a tecnologia?), até que o irresistível poder da cama se fez sentir. Deitei para ler e... não consegui mais escapar, até hoje de manhã.
Com as coisas gostosas que tem pra comer aqui... algo me diz que vou voltar pro Brasil rolando!

Beijos com sabor de chocolate... gelado
Martha Argel.

terça-feira, 10 de julho de 2007

10 de julho de 2007

Pés gelados. Provavelmente será esta a tônica da viagem. É minha situação agora, sentada na cozinha da casa de minha prima Susana, vendo pela janela do pátio interno uma nesga de céu azul lá fora. Céu azul significa rápida troca de calor entre terra e atmosfera, e significa que as temperaturas caem rápido quando a noite cai.
Não sei exatamente qual a temperatura externa agora, mas deve beirar zero grau. Tandil, cidade vizinha, tinha menos seis, sensação térmica menos dez, às sete da manhã.
Quando a Susana nos alertou "tragam muita roupa quente, porque está fazendo muito frio", a gente não sabia bem o quê, exatamente, era muito frio. Descobrimos no segundo exato em que saímos pela portinhola do avião, ontem, no aeroporto de Ezeiza.
Eu já tinha achado que o início de viagem tinha sido venturoso, pois ainda no aeroporto de Cumbica eu encontrara, no minúsculo quiosque da livraria LaSelva no embarque internacional não um, mas dois, livros de vampiros... que eu não tinha!
A viagem pela Lan Argentina foi impecável, decolagem na hora exata, aterrissagem ainda mais pontual, serviço de bordo gentil e eficiente, companheiro de banco amável.
Enquanto descíamos para a aterrissagem, pela janela só se via uma massa impenetrável de nuvens. Assim, quando minha mãe saiu do avião antes de mim, duas pessoas entre nós impedindo que eu visse o dia lá fora, ouvi sua exclamação deliciada, achei que havia visto o sol. Mas assim que saí para o começo de tarde plúmbeo, a voz dela me alcançou:
"Neve! Está nevando em Buenos Aires!"
Nevava! O ar estava repleto de minúsculos flocos caindo muito mais lentos que chuva. As pessoas encapotadas que nos recebiam na pista estavam cobertas de partículas brancas. Todos olhavam ao redor de si, encantados, queixos caídos, meio sem acreditar.
Nunca neva em Buenos Aires! Uma nevada acontecida há quase um século ainda era tratada como um episódio quase tão inexplicável quanto discos-voadores ou o monstro do lago Ness. E agora, descendo do avião, éramos recebidos por... neve!
Quando o motorista nos encontrou no saguão, explicou que não era bem neve, era o que aqui se chama água nieve, flocos muito pequenos que derretem ao tocarem qualquer superfície. Em Rauch, a pequena cidade pampeana que era nosso destino, não estava nevando e muito menos chovendo, pois havia uma forte seca, informou ele.
E de fato. A água nieve nos acompanhou por uma parte do caminho. Chegamos sob céu ainda cinzento mas com mostras de estar abrindo, sob um frio intenso mas sem uma gota de neve, água nieve ou chuva. Já instaladas na sala aconchegante de Susana, descobrimos pela tevê que provavelmente estamos numa das raríssimas regiões do país que não estava debaixo de nevascas. E que, depois de nossa breve passagem pela Grande Buenos Aires, a agua nieve tinha se transformado em neve de verdade, e toda a região metropolitana estava absolutamente branca! Caramba, e a gente perdeu esse momento histórico!
Bom, pelo menos agora temos um propósito: vamos tentar achar neve. Aguardem os próximos capítulos de nossa busca.

Beijos gelados a todos
Martha Argel, direto de Rauch, Argentina
P.S. Minha mãe acaba de me chamar para ir ao quintal "Vem ver uma coisa que você nunca viu". Fui. "Toca o roupa no varal". Toquei. Dura como papelão. Congelada. De fato, eu nunca tinha visto. Já deu pra notar que a coisa não vai ser fácil...

domingo, 1 de julho de 2007

FANTASTICON 2007 - Minha participação

Caros amigos:

No próximo domingo (8 de julho), participarei do FANTASTICON 2007, numa mesa redonda junto com os conhecidos escritores André Vianco e Giulia Moon:

Domingo, 8 de julho das 16:00 às 17:30
Mesa-redonda "Como transformar uma idéia em uma boa história"
Escritores consagrados revelarão seus segredos e inspirações na arte de transformar suas idéias em histórias cativantes.
Participação: André Vianco, Martha Argel e Giulia Moon
Auditório Armando Bogus - Auditório A.

O Fantasticon integra a décima quinta edição do evento mais importante de RPG brasileiro, o Encontro Internacional de RPG.
Vale a pena comparecer, muitos outros escritores, editores e artistas vão estar presentes. Será uma ótima oportunidade de saber como anda a produção e a divulgação da literatura fantástica no Brasil!
Clique aqui, pra ver a programação completa no site Bloodsteps.
Visite também o site oficial do evento: http://www.devir.com.br/rpg/15_eirpg_fantasticon.php

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Fantasticon 2007 – Simpósio de Literatura Fantástica
7 e 8 de julho de 2007 (sábado e domingo)
Colégio Marista Arquidiocesano
R. Domingos de Moraes, 2565, Vila Mariana, São Paulo, SP (metrô Santa Cruz).
Organização: Silvio Alexandre. Apoio: Devir Livraria, Terramédia e Pixel Media Editora.
Evento integrante do XV Encontro Internacional de RPG.
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Espero todos vocês lá!!!!
E levem seus livros para serem autografados, pois depois da mesa-redonda haverá uma sessão de autógrafos / bate-papo.

Beijos
Martha Argel

quarta-feira, 27 de junho de 2007

YouTube - Curta baseado em conto meu

Amigos,

Foi disponibilizado no YouTube um vídeo baseado em meu conto "Adivinha o que tenho no meu freezer": http://br.youtube.com/watch?v=_7HErYdP3To .
O curta foi elaborado por um grupo de alunos do curso de Rádio e TV da Universidade Anhembi-Morumbi, do qual participou minha sobrinha, Natália R. Cardoso.
Já o conto saiu publicado na revista Scarium Megazine, edição 13 (out. de 2005), editada por Giulia Moon.

abraços a todos!

Martha Argel

domingo, 17 de junho de 2007

Saindo do ar... faz diferença?

Caramba, faz tanto tempo assim que eu não posto?
Bem, tudo tem estado bem atrapalhado depois da viagem. Pra onde foi o tempo?
Passa a ser irrelevante o fato de que estarei fora do ar por alguns dias. Na verdade são muito menos dias do que o intervalo entre postagens aqui (em tempos normais).
Mais uma viagem. Mas viagens por terras tropicais são diferentes de viagens na metade norte desta nossa metade de mundo.
Eu adoraria fazer um registro online de mais uma das minhas andanças, esta para lugares bem mais próximos que o Canadá. Mas. Limitações tecnológicas de nosso país tão lindo, tão triste, tão querido, tão insubstituível.
Ontem de manhã abri o jornal e vi três notícias seguidas de coisas ruins acontecidas no dia anterior: tiroteio na Vila Mariana (eu passei por lá naquele dia); passeata e pancadaria na Paulista (vi a passeata, não vi a batalha por poucos minutos); caos no metrô (fui pega no epicentro e caminhei duas horas pra voltar pra casa). Dá uma coisa ruim na barriga quando as manchetes acontecem do seu lado.

beijos a todos, até a volta
Martha Argel

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Danaus plexippus

Borboleta-monarca: todo ano, bandos imensos [você sabia que: bandos de borboletas se chamam paná-panás?] atravessam de norte a sul, e de sul a norte, o continente americano.
Insetos atravessando o golfo do México, pensem um pouco!
Dois anos atrás eu as vi em sua preparação para a jornada rumo sul. Entrando em uma clareira, num bosque canadense, foi como se as folhas do começo de outono tivessem de repente sido sopradas por um vento imaginário. Encheram o ar acima de mim. Milhares.
Algumas delas devem ter entrado em minha alma. Eu as sinto. Hoje.
Ou quem sabe naquele dia apenas reencontrei algo que já era meu.
Tem gente que fala em animal xamânico.
Mesmo se a idéia me agradasse, eu jamais teria pensado em borboletas.
E no entanto.

bicos e queijos (galegos)
Martha Argel

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Dreaming of flying

Uma das borboletas inquietas empurra-me para sul. As teias do senso comum e da vida de todos os dias me retêm.
Resolveu ser críptica agora, é? Metáforas poéticas?
Não. Reencontro com a língua-mãe.
Agüentem, por favor, ainda ando perdida entre os fusos horários e a mudança de cultura.

M

terça-feira, 29 de maio de 2007

E depois que eu saí de lá...

Está no blog da Tanya Huff:

"On Saturday June 2nd -- that's not this coming Saturday but the next Saturday for the date impaired -- I'll be signing my new book THE HEART OF VALOR at Bakka-Phoenix Books, 697 Queen St. W, Toronto, Ontario. The signing starts at 3pm and I'll be there for at least two hours (my train out is at 6:30 so don't count on me being there much after 5:30)".

Pior o que aconteceu ANTES de eu sair de lá. No dia 27 entrei no blog da livraria e achei isto, postado no dia 25:

"In addition to being the day after the twenty-fifth, tomorrow is the day Kelley Armstrong comes to visit!
She'll be here at 3pm, to launch No Humans Involved, the newest book in her wonderful Women Of The Otherworld series (which, incidentally, is now a NYT Bestseller. Go Kelley!). Come celebrate with us!"

NÃO! Ela tinha estado lá no dia anterior. Kelley Armstrong é autora de uma série de lobisomens. Gostei do primeiro livro, tem um lobisomem de babar, o Clayton. E EU PERDI A CHANCE DE CONHECÊ-LA!!!!!
Life is not fair.

Martha Argel
P.S. - sim, estou de volta a Sampa. Sim, a viagem foi ok. Sim, ao abrir o jornal de manhã e olhar as notícias, pensei sinceramente em comprar uma passagem pra Toronto, só de ida.

domingo, 27 de maio de 2007

27 de maio, domingo

Há exatamente um mês comecei a escrever este diário, neste mesmo lugar, sentada no chão, com o laptop diante de mim, sobre uma cadeirinha azul de criança. Não vou dizer que parece que foi ontem porque é um chavão usado e batido. Mas que parece, parece.
Acho que em todos meus diários eu sempre comento como o tempo psicológico é esquisito durante viagens, especialmente as intensas (ah, bem, e tem outro tipo de viagem? Ao menos que valham a pena, não). Parece que cheguei ontem, mas também parece que estou há meses aqui. Aliás, parece que estou há dois anos aqui, porque cada nova viagem, dormindo na mesma cama, andando pelas mesmas ruas, reencontrando as faces de antes, é simplesmente a continuação de uma única permanência aqui. É como se não tivesse nunca ido embora.
E dentro de mim toma forma um Canadá mítico, próprio, pessoal e intransferível.
Meu Canadá é curiosamente desprovido de invernos e de neve. É uma eterna meia-estação de temperaturas amenas. Meu Canadá é um enclave lusófono num contexto anglo-falante. Meu Canadá é uma longa busca e um recorrente re-encontro com minha brasilidade, um lugar onde constante e inconscientemente eu e outros como eu procuramos os iguais – e “igual” passa a ser determinado apenas pela língua original, sem importar o acento. Eu poderia discorrer on and on and on sobre isso, mas acho que vocês já entenderam meu ponto. Se não paro por aqui, vou começar a soar perigosamente semelhante a certo autor famosinho que decididamente abomino.
(Nota que deveria ser de rodapé: dado meu iminente retorno à pátria, com todas as dores e alegrias inerentes, deixo hoje de lado minha obsessão em evitar advérbios terminados em -mente, bem como outros termos terminados em -ente. Yay! Sinto-me incrivelmente livre!)
Voltando ao minucioso relato do dia-a-dia de uma viajante-escritora compulsiva, ontem foi um dia de puro marasmo. Perdido já no labirinto entre os dois hemisférios do mundo, meu cérebro simplesmente se recusou a fazer qualquer coisa original, arrojada ou surpreendente.
Um evento delicioso a marcar este final de viagem foi ter conhecido, após dezenas de scraps, e-mails e telefonemas, a Danny e o Neil e a filhinha deles, a Yasmin. Passeamos pelo St. Lawrence Market e fomos a um restaurante (Town & Country Market Fresh Buffet, 190 Queens Quay East). Ok, a comida não era lá essas coisas, exceto pelas sobremesas, mas o lugar é uma delícia! Eu voltaria lá pelo ambiente.
De tarde bateu uma preguiça total, e eu dormi. Acho que foi o cansaço acumulado de toda a viagem que me pegou. Ou quem sabe o consumo excessivo de açúcar. Talvez aquelas borboletas de que falei ontem. Um momento de “fechado para balanço”, maybe... Quem sabe o fato de ter fechado as malas (sim, coube tudo! Bem, praticamente tudo) refletiu-se em meu cérebro.
No meio de tudo, desisti de esperar pelo ep 12 de Blood Ties no IslifeCorp e assisti no YouTube mesmo. Hum. A lot of kissing around. I liked it. Very. Much.
Hoje o domingo amanheceu cinzento, taciturno, lento. Outside, inside.
Este é o último post da viagem. Talvez coloque um adendo, quando chegar ao Brasil, mas sei por experiência própria que posso demorar semanas para isso. Ou jamais fazê-lo.
Por isso... Tchau a todos! Acabou. C’est fini.
Mas não vou terminar com uma despedida, porque é deprê demais. E, afinal de contas, em outro momento esta viagem vai continuar. Pode ser daqui seis meses, pode ser um ano. Mas será a mesma viagem.
Algumas noites atrás vi algo que esqueci de comentar. Estava no metrô quando entraram duas moças. Uma delas, de costas para mim tinha uma bolsa ao ombro. A alça era uma corrente, presa à bolsa por uma algema. Uau. Percebi um rapaz olhando fixamente para a algema. A expressão do rosto dele mostrava tudo o que passava por sua cabeça. Com certeza o que havia passado pela minha e muito mais. Definitivamente, naquele momento eu desejei ter uma bolsa daquela. Se alguém aí souber onde tem, me avisa?

beijos e queijos e hasta la vista!
Martha Argel

sábado, 26 de maio de 2007

26 de maio, sábado

Eu já disse que não quero ir embora? Eu não quero ir embora.
Talvez queira. Nos últimos dias, ou quem sabe nas últimas horas, uma borboleta inquieta bate asas dentro de minha cabeça, ou de meu coração. Os ventos me empurram. Preciso de novidades, uma ou outra loucura daquelas que fazem a vida valer ser vivida. Às vezes o sonho em si é suficiente.
Em meu antepenúltimo dia de Canadá estive, quase sem planejar, em dois pontos turísticos de Toronto.
Saindo para caminhar a esmo de manhã, cheguei ao Distillery District, uma antiga área industrial transformada em um grande espaço para o lazer – grandes galpões antigos, de tijolos, com ruelas de paralelepípedos. Mas é lazer à la norte-americana, lugar de gastar dinheiro com compras, arte e comida caras. Procurei por algum museu que perpetuasse a história do lugar. Não tinha. Só as fachadas dos prédios mesmo. Não julguei nem que o lugar merecesse fotos. Fiquei pensando que talvez antes da modernização o lugar fosse usado como locação para filmagens. Agora não dá mais. Perdem os filmes. E as pessoas ainda se espantam por menos filmes serem rodados aqui.
No almoço, o Terry e eu aproveitamos que a Clau estava fora, no trabalho voluntário dela, e comemos lagostas. Hummmmmm! Com vinho. Hummmmmm! Tava tudo ótimo até que a Clau ligou e contou que um caminhão tinha batido no carro dela. Ela estava bem. O carro, amassado mas em condição de uso. Oh well. Lá se foi nossa alegria.
Ela chegou toda jururu, e me pediu para acompanhá-la pelo resto do dia. Ok, claro! Não resolveu, mas ajudou. Fizemos um monte de coisas na região da Bloor. E, pra variar, eu estava lendo um conto da Tanya Huff. Que se passava todo na Bloor e adjacências. Tá, já não é mais novidade que essas coisas aconteçam, né?
De noite saí para jantar com a Claudia E. e o Gustavo, e de novo tive problemas com o metrô. A plataforma na King estava lotadaça. Xi. Um longo aviso saiu dos alto-falantes, como sempre totalmente incompreensível, só entendi, “we apologize for...”. Perscrutei as faces ao redor e como só vi tédio, deduzi que não havia interrupção total. Devia ser só atraso, mesmo. E de fato era isso.
Finalmente cheguei ao meu destino e conheci o segundo ponto turístico do dia, o bairro grego. Um paraíso gastronômico.
Fomos comer numa creperia. “Pra beber?”. Ginger-ale diet. Hum... não tem, me desculpe. Ginger ale normal. Ok... hum, hã... não tem, me desculpe. Tá, Pepsi diet. Oh, me desculpe, não tem. Ok, ok, Pepsi normal. No final: um crepe de geléia de laranja com chocolate amargo. Ok... oh, me desculpe, eu achei que tinha mas não tem, pode ser geléia de morango? Na hora de pagar, o Gustavo sugeriu que a gente dissesse “dólares? Oh, me desculpe, a gente achou que tinha mas não tem, pode ser reais?”
Dali fomos tomar um café, ops, chafé. Entramos num Timothy’s, segundo o Gustavo, a melhorzinha entre as cadeias de café. Estávamos na fila quando uma salva de palmas frenéticas nos surpreende. Havia um monte de gente sentada, olhando uma mulher vestida de preto? Despedida de solteiro? sugeriu o Gustavo. Perguntei pra caixa. Resposta toda animada “Oh, it’s Friday. Comedy night”. A mulher de preto tinha uma voz esganiçada e aguda, que doía no ouvido. O Gustavo fez cara de terror. “E eles estão rindo!” Era verdade. A balconista de vez em quando dava risada. Os cafés não vinham nunca. A mulher chamava a platéia pra participar. Gustavo: vamos ficar aqui, bem longe. A balconista: vocês têm de pegar os cafés ali no outro balcão. A escassos três metros da mulher. Fomos pra lá, com olhos arregalados de terror. Gustavo: “mas quanto tempo demora pra fazer esses cafés?!” O sujeito parecia que estava pintando a Santa Ceia. Cheio de técnica. O pior é que o resultado, a gente sabia, ia ser a catástrofe de sempre. O sujeito entregou dois copos, os capuccinos meu e da Cláudia. “A gente te espera lá”. Olhar aterrorizado do Gustavo, enquanto escapávamos para o fundo da loja. A mulher ainda se esgoelava. O povo ria. E finalmente o Gustavo se juntou a nós e saímos para a segurança e a paz das mesas externas. Ufa. Que aventura besta.
Não houve contratempos no metrô da volta. E a caminhada de King até em casa, nas ruas escuras mas não vazias da noite de sexta-feira, teve um gostinho de despedida. Por que é que a gente sofre por antecipação?

beijos e queijos a todos
Martha Argel, quase aí

sexta-feira, 25 de maio de 2007

25 de maio, sexta-feira

Nossa, já está no fim! Embarco de volta depois de amanhã, nem acredito. Onde foi parar este último mês?!
Estou totalmente dividida. Should I stay or should I go? Devo ir, mas queria ficar. Por outro lado, estou ansiosa para voltar a minha casa, minhas coisas, minha cidade. Sensação peculiar essa, de se sentir em casa em vários lugares diferentes, mas já escrevi longamente sobre isso algumas semanas atrás.
Nestes derradeiros dias, acho que estou tentando fazer um apanhado sensorial da cidade, recolher na mente os últimos instantâneos. Os ângulos da luz, o movimento das pessoas nas calçadas. As fileiras de sobrados pitorescos nas ruas de árvores imensas. A ordem pacífica e desconcertante das avenidas movimentadas do centro. A desordem caótica e a falta de educação dos pedestres em Chinatown. Os parques, praças e esquilos. As gaivotas no céu. A familiaridade das estações de metrô. Os mil e um idiomas captados enquanto caminho na multidão.
Sempre é estranho voltar ao Brasil e perceber que todos falam a mesma língua que eu. Vocês têm idéia do privilégio que é poder se comunicar com todos ao nosso redor? Depois de alguma longa viagem ao exterior, cada conversa que tenho com gente na rua, com a caixa do supermercado, com o cobrador do ônibus, com quem for, é um momento precioso, que saboreio na ponta da língua. Estamos falando Português. Temos um idioma em comum. Falamos a NOSSA língua. Por algum motivo isso me enche de orgulho. Queria que todos sentissem isso. É tão bom. A gente se sente muito mais brasileiro quando sai do país.
O dia de ontem foi dedicado a uma missão quase impossível: fazer minha prima comprar um sutiã de verdade. Ela é uma das pessoas mais desencanadas do mundo para se vestir, e consegue usar as maiores camisetas e as calças mais amplas do mundo. “É confortável”. Sei. Já fui assim. E usa praticamente qualquer coisa, desde que seja... verde-limão! (Não posso falar muito; montei um guarda-roupa quase completo, só em tons de roxo, lilás, malva e fúcsia, mas pelo menos são do tamanho certo). Pois bem, agora que ela está procurando trabalho, tem que ficar mais apresentável. E decididamente, uma roupa de baixo adequada faz alguns milagres (rá, aprendi com a Trinny e a Susanna, em What Not To Wear). Comecei a buzinar no ouvido dela sobre sutiãs quando cheguei aqui, e ela me xingou por semanas. Assim, quase caí de costas quando ela me pediu pra ajudá-la a comprar a bendita pecinha de roupa. Urra!
Eu sabia que seria quase um milagre fazer a Clau entrar numa loja de lingerie, e que ela enrolaria até que eu desistisse de nossa missão, mas respirei fundo e ataquei o desafio.
A batalha começou ao meio-dia, quando a encontrei perto da Bloor, uma das principais ruas comerciais da cidade, senão a principal. Primeiro fomos a uma cantina italiana almoçar. Delícia! Comi um peixe cujo nome não entendi, mas estava maravilhoso.
Então entramos no Honest Ed’s, uma loja tipo Americanas, mas só com produtos de segunda, extremamente baratos. Saca Brás? Então. Com certeza não era ali que acharíamos o tal sutiã. Mas encontramos algo espantoso: uma prateleira de bustos do Elvis em tamanho natural, topete e tudo! Um pesadelo, em especial o que era colorido.
Próxima parada, uma loja de material de desenho e pintura. Namoramos canetas e cadernetas de anotações, cada uma mais linda que a outra. Comprei uma caneta roxa.
Em seguida, entramos num sebo. Inevitável. Mais uma vez me perguntei se de fato tenho algum sentido extra para encontrar livros de vampiros. No meio de centenas de livros, havia um, no chão, lombada pra cima toda empoeirada, e não dava pra ver nada a não ser que era preto. Aliás, a única lombada empoeirada ali. Fui direto nele. Bingo. Era um livro que eu nunca tinha encontrado, de Nancy Baker, escritora canadense excelente. Acabei comprando seis, a maioria em minha wish list há tempos. Yeah!
A seguir outro sebo. Um supermercado. Lojas de bugigangas. O tempo passando e nenhuma menção a sutiãs. Caminhando, caminhando, chegamos a Chinatown, e eu já perdia as esperanças. A Clau só falava em encontrar uns clogs, um tipo de tamanco de borracha super-ultra leve, que todo mundo usa por aqui, ela queria verde-limão (argh!). Eu lembrava de ter visto os malditos em Kensington Market. “Vamos entrar nessa rua que acho que vi aqui”. Busca infrutífera, mas achei algo que eu buscava, uma camiseta branca comprida e justa, também na moda aqui, por baixo de um top curtinho (é como a Vicki se veste em Blood Ties!). Olhando dentro da loja... AHÁ!!!!! Sutiãs!!!!
Agarrei a Clau pelo braço “Agora você entra aqui!” e puxei-a pra dentro. Como ia fazer pra garantir a ajuda da vendedora? E como convencer a Clau a experimentar um sutiã que fosse?! Aquilo ia ser um pesadelo! “Ai, tô tão cansada...”, e a Clau desabou num banquinho. Pelo menos não tinha saído correndo, primeira batalha vencida. Eu já ia na direção da vendedora, pensando em como recrutá-la para a luta, quando ela vem com um sorriso enorme. “Vocês falam português! Vocês são brasileiras?” Quase desmaiei de susto! Aquilo não era uma vendedora, era um anjo enviado pelos céus!
Resumindo: a Juliana era paulista, simpática e eficiente. Sabia tudo de sutiãs e conseguiu a façanha de fazer a Clau provar uns quantos (“O quê, eu tenho que experimentar antes de comprar?!”). Quando eu dei meu palpite que aquele menos confortável ficava melhor, ela foi genial: “Mas é melhor ela levar o que achou mais confortável, nessa fase de transição”. Além de anjo, instrutora. Cool! No fim, a Clau levou dois (yes! incluindo o “menos confortável”) e eu levei um, além das camisetas.
Vitória!!!!!
Pra completar, a Clau achou os tais clogs verde-limão.
Quando chegamos em casa, ela estava radiante. “Não são lindos?!” Não era dos sutiãs que ela falava. Esses foram pra gaveta. Os clogs ela colocou nos pés e não deve ter tirado nem pra dormir.

beijos a todos!
Martha Argel

PS. mais uma do sistema de transporte coletivo: na verdade, não voltei com minha prima. Ela veio de metrô e eu vim andando (deve dar uns 4-5 quilômetros da Bloor até em casa, quase uma hora de caminhada), mas cheguei poucos minutos antes dela! Por causa de um acidente na linha, o trem parou e lá ficou. Que saco, não?! Pelo menos dessa eu escapei.
PPS. pra quem quer ver a cara dos tais clogs, tem uma foto aqui: http://www.flickr.com/photos/anniemole/230486812/ . Enjoy.
PPPS. na caminhada de volta, sentei no Queen’s Park e fiquei um tempo apreciando as árvores e as pessoas fazendo o mesmo que eu. Lindo.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

24 de maio, quinta-feira

Terça-feira foi um dia de cansaço pós-viagem e de pequenas surpresas e novidades.
Vencendo a inércia que tentava me manter em casa, voltei ao Value Village, aquele brechó que mais parece um super-mercado de segunda mão. Já disse o quão baratas são as coisas lá, né? Pois bem, o dia 22 de cada mês é dia de liquidação. Liquidação de verdade: tudo por metade do preço! Não dá nem pra acreditar. Bom, e imaginem quanta gente havia, atrás de barganhas absurdas, e eu lá no meio... (mas a escolha era enfrentar a multidão ou ir lá depois do arrastão e correr o risco de não achar nada de bom). Em resumo: com trinta dólares (cinqüenta reais?) fiz uma senhora festa, com direito a dois jeans, duas bolsas, puloveres e camisetas. Uau. Cores lindas. Foi dia de azuis e marrons.
Após o despropósito de compras (e já começo a meditar acerca do quão grandes são minhas malas...), ganhei uma carona da Clau até minha livraria favorita, em minha rua predileta, a Bakka-Phoenix, na Queen Street West.
Caso vocês ainda não estejam cansados de me ver dizendo isso, a Tanya Huff trabalhou lá por oito anos. Foi na Bakka que ela se deu conta da fidelidade canina dos leitores de ficção vampírica, e resolveu escrever algo voltado para eles. Feliz idéia, eu diria.
Zanzei um pouco em busca de livros que não encontrei, ou que acabei desistindo de levar, até que me ocorreu fazer uma pergunta. “Vocês têm algum livro autografado pela Tanya Huff?”. E a resposta veio rápida: “Ah, sim, dá uma olhada ali, tem vários”. Uaaaaah! Quase tive um troço.
E lá estava eu, ajoelhada diante da prateleira mais baixa, tentando decidir qual levar (acabei levando meu preferido, Blood Trail), quando a simpática vendedora chega junto. “Não sei se você sabe, mas ela vai estar autografando aqui”. Caraaaaaalho! Quase caí sentada. Quando? Quando? “Hum... peraí.... hum.... ah, dia 2 de junho.”. Nããão! Quase uma semana depois de minha partida! Não, não, não!!! A vida não é justa.
Engolindo a decepção, continuei de papo com a vendedora. Ela estava muito bem informada sobre Blood Ties, e me contou que um amigo tinha baixado os primeiros episódios, e um grupo se reunia na casa dele para assistir à série. Cool. A coisa tá boa por aqui também.
Já de posse de meu livro autografado, peguei o rumo de volta pra casa, sem pressa e com um objetivo. Estava em busca de mais blood steps na própria Queen, em Chinatown e na Spadina. O resultado da procura, bem sucedida, está no Multiply.
O mais legal foi um lugar que vi primeiro no ep 12, Post Partum, e depois notei de novo no 9, Stone Cold. Era uma cena com a fachada de algumas lojas, que eu tinha certeza que era na Queen. Procurei, procurei até que achei! O mais legal, uma das lojas é um brechó que eu já tinha visitado antes, o Black Market!! Não é cool?
Cheguei em casa alegrita como lambari na sanga (sem mencionar preocupada com a iminente montagem das malas...).
Ontem, quarta-feira, dia 23, o dia começou diante do computador. Horas, literalmente, carregando as fotos e tentando pôr o diário em ordem. Às onze e meia saí ventando, quase atrasada para encontrar a Claudia B (minha prima) e a Claudia E (a esposa do Gustavo). Tínhamos combinado uma girlie party: um bate-e-volta até Niagara-on-The-Lake, uma cidadezinha lindinha, na beira do Niagara, onde ele desemboca no lago Ontário. A viagem foi meio longa, mas divertida. Usei de novo meu GPS, e ainda estou tentando entender como funciona. Sem, claro, ler o manual de instruções...
Uma coisa bizarra no caminho de ida: do lado de lá da QEW (a rodovia super-movimentada pra Niagara, e que liga T.O. a NY), um caminhãozinho com fardos de feno parado à beira da estrada e um moooonte de fardos caídos no meio do asfalto. Vocês não imaginam o tamanho do congestionamento! Tudo por causa de capim seco. Incongruente.
Chegando na cidadezinha, atravessamos vinhedos e pomares, com mansões enormes espalhadas na paisagem bucólica. Muito lindo, mesmo.
Na cidade em si não ficamos muito tempo. Passeamos por um parque, atraídas pelos sinos de uma igreja (provavelmente uma gravação, oh, well) que tocavam várias músicas, e acabamos perambulando pelo cemitério atrás dela. Bem típico, com as lápides em maio a gramados e árvores. Muito pacífico. Melancólico.
Caminhamos pela rua central, olhamos as flores, os turistas, as lojas e restaurantes, comemos algo e então pegamos a estrada de volta.
O retorno foi muuuuito engraçado. Deu um ataque de nerdice nas duas. A Claudia ficava controlando a velocidade do piloto automático, o nível de combustível, os avisos sobre o estado do trânsito à frente. Eu monitorava a velocidade de cruzeiro com o GPS, o ETA (Estimated Time of Arrival) e a distância até Toronto. O mais engraçado é que esses dois últimos eram estapafúrdios, porque o GPS insistia que o melhor caminho até T.O. era... através do lago! Rimos muito.
Chegamos a tempo de pegar o Andrew na escola, e acabei pedindo pra Clau me largar na universidade, pra eu voltar pra casa caminhando. Aproveitei pra passar na Biggest, e fazer uma compra basiquinha de livros...
No finalzinho, uma experiência meio desconcertante. Chegando na St Andrew, peguei o Path, pra ir bisbilhotando as lojas do subterrâneo. De repente, notei que não havia mais ninguém pelos corredores, só eu. As lojas todas fechadas. Eram oito horas da noite e eu não tinha percebido, pois ainda era dia lá fora! Aí bateu um terror de ficar presa na cidade subterrânea, e comecei a procurar meio assustada a saída mais próxima. Até que achei uma escada rolante e saí para o saguão de um hotel luxuoso, e dali pra rua. Ufa! Eu estava bem mais pra oeste do que pensava – tinha perdido não só a noção da hora mas também o rumo! Mas uau, o Path pode ser bem assustador. Adorei saber disso!

Beijos a todos
Martha Argel

23 de maio, quarta-feira

Ufa, consegui voltar.

Hoje vou fazer um resumo do feriado, o dia de ontem deixo pra amanhã. Hã... deu pra entender? :-/

Uma palavra sobre o feriado: é o Victoria Day. Hein, como é que é, o dia da Vicki?! Não, os canadenses são súditos de Sua Majestade, a rainha da Inglaterra. Então, têm um feriado nacional, no dia 24 de maio ou antes disso, para comemorar não apenas o aniversário da Rainha Vitória (!), mas o da atual soberana. Aí todos os Canadians urbanos carregam seus carros com toda a tralha imaginável e abandonam as grandes cidades, rumo a suas cottages nas praias (de lago, e geladas, of course). É o primeiro feriado da primavera, e as pessoas mais do que depressa querem colocar em ordem suas casas de veraneio e seus jardins. Então, o que se ouve o tempo todo, durante os três dias e por todo lado, são os inconfundíveis ruídos primaveris: cortadores de grama a pleno vapor, motores dos barcos sendo ligados pela primeira vez após o inverno, os golpes dos machados picando galhos caídos no inverno. Você fica com saudades dos decibéis da cidade. Neste ano, o feriado seria na segunda-feira, dia 21.

Saímos na sexta-feira, 18, ao anoitecer, e claro que pegar uma estrada desconhecida de noite é algo que ninguém deve fazer. Not my fault, a idéia não foi minha. Claro que nos perdemos. Mas...

Creio que não contei que na quinta-feira eu tinha comprado meu GPS. Foi um capricho planejado. Comprei por comprar, com a mais absoluta certeza de que jamais usaria pra valer. Mas queria porque queria (uns personagens meus usaram recentemente, por que é que eu, a autora, não usaria?.

O fato é que eu estava com meu GPS, ainda na caixa (porque se eu não planejava usar jamais, não tinha motivo pra tirar da caixa, não é?) quando vi que estava pra dar merda. Com a sensação de catástrofe eminente, violei a sagrada embalagem. Pilhas? Hum. As da máquina fotográfica. Como funciona essa bodega?

Aprendi na marra, abençoando o vendedor que não me deixou comprar um modelo mais sofisticado: “Se você nunca usou, e quer ligar e usar, leva este”. Foi o que aconteceu. Liguei e usei.

Até que chegou a hora inevitável em que realmente nos perdemos. De noite e no meio do nada, sem nenhum recurso a não ser um GPS novo em folha que eu não sabia usar – não conseguia mover o mapa e achar nele nosso destino, a cidade de Sutton. Aperta daqui, empurra dali, e o mapa absolutamente imóvel no ponto em que estávamos empacados. Quando todos desceram dos carros e ia começar a troca de acusações... voilà! Apertei alguma função e como por mágica o mapa se deslocou até que Sutton apareceu! Só tínhamos que voltar atrás uns 500 m e virar para norte no cruzamento que acabávamos de passar.

Daí pra frente navegamos com o GPS. Chegamos bem. Piece of cake.

Vou ser sucinta. Cottage (chalé) bonitinho mas ordinário. A água da torneira fedia ovo podre. Descarga racionada, só em último caso ou em casos... bem, sólidos. A água do chuveiro sumia depois de dois minutos (nunca aconteceu comigo, sou rápida). Quando havia uso de água, parecia que o Darth Vader estava nos encanamentos. Entre outros percalços irritantemente insuportáveis. Não sou, definitivamente, a mais sociável das criaturas

Eu resumo: quanto mais longe de casa, melhor. Assim, passei bastante tempo ao ar livre.

O lugar era bonito. Não lindo, mas agradável. Um condomínio de casas não muito luxuosas, em terrenos grandes e jardins que começam agora a ser cuidados para a primavera e o verão. O lago estava a pouco mais de 100 metros da cottage, e nos fundos do quintal gramado passava um rio (ou canal); todos os vizinhos tinham pequenos atracadouros com lanchas.

No sábado, logo de cara, fugindo do ambiente familiar, topei com um bosque na beira do lago, e lá me embrenhei. Lindo. Encharcado, com um barro preto pegajoso. Praticamente zero de aves. E compensação, uma biomassa inacreditável de mosquitos i-men-sos. Nunca tinha visto tão sarados. E esfomeados. Formavam nuvens ao redor de minha cara e das mãos. Devidamente protegida com repelente, o bosque logo se tornou meu lugar favorito. Mais tarde descobri que o Gustavo e sua esposa Claudia se interessam por aves e têm até binóculos! Ueba! Eu tinha outros birders comigo! Moral da história: a viagem não foi tão insuportável como poderia ser.

Vi várias espécies que nunca tinha visto, as lifers. A mais legal foi um pássaro migratório, que no Brasil se chama triste-pia e aqui Bobolink (nome bobo!). Quero ver esse bicho desde que comecei a observar aves, há quase 30 anos. Assim, imaginem minha emoção ao finalmente conseguir vê-lo.

Outro ponto alto ornitológico, foi ouvir o estranho chamado do Common Loon. um grito forte, melancólico, assombrado, a voz dos lago canadenses, que talvez vocês já tenham ouvido em filmes. Nossa, há quanto tempo queria ouvir isso. Fiquei arrepiada.

Numa das caminhadas pelo condomínio, acabei parando pra conversar com um casal de idade que tinha um jardim lindo, e um verdadeiro condomínio de casas de passarinho. Uma graça.

O marido, Eric, era muito simpático e comunicativo. Ao longo do feriado, conversamos algumas vezes, e ele acabou me apresentando a uma senhora portuguesa da Ilha da Madeira, a Lourdes, que todo mundo chama de Laura. Muito atenciosa, ela me convidou para ir visitar uma brasileira que é dona de um hotel de beira de estrada – um dos motéis daqui, que nada têm a ver com as putarias do Brasil. Foi assim que conheci Tereza, uma figura notável, personagem de filme mesmo. Ela sem qualquer ajuda toca o hotel, onde faz tudo: atende, administra, limpa, lava, tira a neve no inverno. So-zi-nha. Sem camareira, sem vigia, sem porteiro. No meio do nada. E ainda encontra tempo para ser bonita, vaidosa e elegante. E muito divertida. Passei um começo de noite delicioso em companhia de minhas duas novas amigas lusófonas.

Gustavo, Claudia e eu conversamos bastante. Acabamos criando mil e uma histórias de monstros, assombrações e casos de Arquivo X. E de noite, eu assistia Blood Ties com minha prima, a outra Claudia.

E falando nisso, durante a viagem aconteceu mais uma coincidência ref. Tanya Huff. Eu estava lendo, de caso pensado, o conto dela “The vengeful spirit of Lake Nepeakea”. Vicki e Mike vão resolver um caso num lago no norte de Ontario e ficam numa cottage. Tem uma hora em que o Mike descobre os mosquitos locais, e eu me senti incrivelmente solidária a ele. De repente, chego a um trecho em que um sujeito diz pra Vicki “No wait, tomorrow’s Sunday, place’ll be closed. Closed Monday too, seing as how, it’s Victoria Day”. Raios! O dia seguinte, o MEU dia seguinte, seria justamente... segunda-feira, Victoria Day! Só comigo essas coisas acontecem!

Voltamos na segunda à noite. No caminho, passamos pelo Sibald Point Provincial Park. Já tinha visitado o lugar no outono. Da primeira vez estava vazio. Desta, apinhado. Gente demais. Aves de menos. Não meu ideal.

E até que enfim, acabou (não, não me refiro ao post).

Daqui a pouco (amanhã) tem mais novidades. Stay tuned.

Beijos e queijos a todos!

(vejam as fotos que postei no álbum novo, On the shores of Lake Simcoe. Também andei adicionando fotos aos álbuns Toronto dos Vampiros: Depois que a noite cai e A Toronto de Blood Ties, durante o dia)

sexta-feira, 18 de maio de 2007

18 de maio, sexta-feira

Serei breve. Hoje gastei de outra maneira o tempo que eu ia usar para escrever esta entrada: baixei os episódios 9 e 10 de Blood Ties, que eu ainda não tinha. Encontrei um site novo com tudo legendado em português. Ok, a qualidade das legendas não é lá essas coisas, mas meu inglês não é suficiente para acompanhar as falas rápidas demais dos personagens. A legenda ajuda pelo menos a acompanhar o fio da meada, embora eu me retorça em agonia com os erros atrozes.

Ontem: de manhã fiquei me torturando em casa, diante do computador, e mal consegui escrever meia página. À tarde tive que ir fazer compras com minha prima, e lá pelas tantas consegui escapar e fiz uma loooonga caminhada.

Destino: o cemitério Mount Pleasant, que supostamente aparece no episódio 3, Bad JuJu. Pra quem assistiu: não tem aqueles gramadões abertos, é um arvoredo só. Teria sido muito mais legal do que o que usaram na série. Minha curiosidade era saber se tinha alguma cripta que se assemelhasse com a da cena final do episódio. Tem. Poucas, mais tem. E muito mais legais que a da tevê.

Ainda acho um pecado que Blood Ties não seja filmado aqui em T.O.

Se alguém aí quiser, no futuro, fazer o que estou fazendo e tirar fotos nos lugares da série, uma dica: não deixem ninguém ver vocês tirando fotos no Mount Pleasant. Como a maioria dos cemitérios, eles não gostam. Provavelmente já tiveram problemas com góticos mórbidos usando as imagens indevidamente.

Bom, devo sair do ar até terça-feira. Farei uma viagem para um lugar à beira de um lago. Viajar em bando não é meu estilo (ainda mais com pessoas que mal conheço e nem sei se tenho algo em comum), mas fazer o quê... Torçam pra eu não me entediar demais e pelo menos ter um mínimo de privacidade pra continuar trabalhando no meu livro.

Até mais!
Martha Argel

quinta-feira, 17 de maio de 2007

17 de maio, Quinta-feira

Uma viagem ao Cambriano! Foi o que fiz ontem, durante algumas horas. Minha amiga Yasmin trabalha na seção de Paleontologia do Royal Ontario Museum, e me convidou para conhecer o lugar. Imagina se eu não ia aceitar! Assim, meio-dia em ponto lá estava eu no portão reservado pra pesquisadores e funcionários, pendurando na roupa um deselegante crachá de papel cor-de-laranja, meu laissez-passer que me daria acesso à Paleonto e também à área de visitação pública.
O museu é, como todos os museus, um labirinto. Escada daqui, corredor dali, vira à esquerda, passa pela primeira porta, segue em frente e de repente... ahá, estamos na Paleontologia, cercadas de armários altíssimos, bancadas, caixas de papelão e um caos tremendo. Me senti em casa. Anos freqüentando museus, e há muito não faço isso.
A Yasmin foi uma guia excelente. Num lugar quase inacessível por conta das caixas amontoadas no corredor, ela mostrou a bancada onde trabalha, conferindo e organizando a i-men-sa coleção de fósseis coletados num dos lugares mais interessantes do mundo pra quem gosta de história bem antiga: o sítio paleontológico de Burgess Shale, situado na British Columbia, oeste do Canadá. A fauna de Burgess Shale viveu no começo do Cambriano, há cerca de 530-520 milhões de anos, e é composta em sua maioria por grupos animais que há muito se extinguiram. Um detalhe muito pitoresco desses animais (eles em si muuuuito bizarros) são os nomes com que foram batizados pelos cientistas: meu preferido é Hallucigenia, e tem Aysheaia, Wiwaxia, Pikaia, Amiskwia, Opabinia. Tudo muito engraçado.
Tive nas minhas mãos uma série deles. Antes que me perguntem quantos metros de comprimento um Canadaspis ou uma Ottoia têm, a maioria não tem dez centímetros. Devo postar algumas fotos, e aí vai dar pra ver a carinha do material.
Pra quem quer conhecer um pouco mais sobre a fauna de Burgess Shale, recomendo o site da Wikipedia em inglês (porque não tem na pobre versão brazuca, onde páginas de relevância duvidosa abundam), além do site da Universidade de Calgary, Se quiserem ir além, podem ler o simplesmente espetacular livro de Stephen J. Gould, Vida maravilhosa (com certeza fora de catálogo em terras tupiniquins, então aprendam inglês pra ler no original, Wonderful Life). E eu falo um pouco sobre esse livro num artigo que publiquei muitos anos atrás. Vamos lá, leiam, que um pouco de cultura científica não faz mal a ninguém.
Minha amiga me mostrou gavetas e gavetas de material, me explicou o sistema de organização da coleção e caçou pra mim algumas celebridades. Depois disso, deixando as estrelas um pouco de lado, ela me mostrou suas peças favoritas – grandes placas com dezenas de trilobitas fossilizados juntos. Nossa, maravilhosos! Ah, se vocês não sabem o que são trilobitas, dêem uma fuçada no Google, são uns artrópodes já extintos muito legais, vocês vão curtir!
Depois disso, demos uma volta rápida pela área de visitação pública. A exposição da fauna de Burgess Shale é decepcionante, três vitrininhas num canto, onde eu as tinha visto dois anos atrás. Talvez seja só uma exibição tapa-buraco, pois em breve a exposição de palentologia vai estar alojada na seção nova do museu, a ser inaugurada em junho. Mas a Yasmin não mencionou ninguém montando uma exibição nova, e suponho que essa fauna maravilhosa será totalmente eclipsada por tiranossauros e apatossauros. Injustiças da vida...
Conversamos muito. Não agüento ver um cientista promissor perdido nas dúvidas de início de carreira. Tive sorte quando comecei, pois havia alguém ao meu lado, me ajudando, me explicando e confiando no meu trabalho. A doutora Liliana Forneris sempre foi e sempre será meu modelo de cientista séria, competente, profissional, ética e sobretudo apaixonada pela Ciência. Espero que a Yasmin encontre alguém assim para ajudá-la. Seria um pecado desperdiçar o brilho que há em seus olhos quando eles percorrem os vastos espaços do museu, chamando-os de casa.
Saí do museu feliz por ter visitado mais um dos highlights da paleontologia tropical. Se vocês não lembram, uns anos atrás cruzei a Patagônia atrás de dinossauros, numa caçada mais do que produtiva.
De noite saí para jantar com Elena e Giuseppe, os dois médicos italianos que conheci no ônibus para NY. Fomos a um restaurante de cozinha do Oriente Médio e África, chamado 93 Harbord. Comi um peixe, acho que chamava bronzino, mas não tenho certeza. Estava muito bom. Meus dois novos amigos são ótimos, rimos muito, conversamos muito. É esquisito falar inglês com italianos, mas eu já não lembro mais nada do que aprendi nos dois meses em que passei na Itália.
Voltei pra casa quase onze da noite. Tive de caminhar até a estação Museum do metrô (a mesma que usei de dia, e a mais próxima do prédio de Henry Fitzroy) e depois da King até em casa. Um frio do cão, e ruas em muitos locais totalmente desertas. Exciting! Adorei. Como aliás adorei o dia inteiro.

beijos e queijos e comida do oriente médio a todos!
Martha Argel

quarta-feira, 16 de maio de 2007

16 de maio, quarta-feira

Choveu quase que a noite toda. Gostoso dormir com o barulhinho da chuva. Ontem foi um dia quente e abafado para os padrões canadenses – deve ter feito uns 27 graus. E choveu de ter trovoada. Quando a gente vê nos noticiários que está prevista uma thunderstorm dá até medo. Palavra impressionante, né? Aí cai uma chuvinha com meia dúzia de trovões graves e prolongados (e juro que o som deles é diferente do que estou acostumada, deve ser por causa do lago), and that’s it. Perto de nossas tempestades tropicais... Algo assim como visitar Niagara Falls quando você já esteve em Iguaçu, entende?
O livro continua avançando lentamente. Bem, “lentamente” é um advérbio que uso com freqüência junto ao verbo “escrever”. Continuo incorporando cenas soltas escritas nas semanas anteriores, e é tão bom constatar que não foram trabalho vão.
Ontem fui com a Clau até uma biblioteca pública onde ela tinha uma entrevista de emprego, e me aboletei na sala de leitura com meu inseparável caderno de anotações. Azar. Aquela sala era destinada mostly a crianças. Daí a pouco elas chegaram. As escolas daqui levam a garotada para passear na biblioteca, não no Wet n’Wild. O sapo de fora era eu. Observar a molecadinha se divertindo era tão ou mais interessante do que escrever. Primeiro mundo é isso: não é comprar o último trinket ou gadget eletrônico Made in China que vai permitir que você leia seus e-mails enquanto dirige seu BMW, mas ter professores que sabem incentivar o contato com livros e espaços culturais (cultura de verdade, puh-lease!, não esses arremedos que pululam por aí, sob o rótulo guarda-chuva de “cultura popular”).
Em seguida fomos passear no Kensington Market, que fica perto de China Town. Nem bem saímos da primeira loja, alguém grita o nome da Clau – nome e sobrenome! “Pronto, a polícia me achou”. Era a Cris, amiga nossa, passeando o bebê que ela cuida. Mundinho pequeno.
O Kensington Market é demais. Lojas de bugigangas chinesas, casas especializadas em cafés, ou queijos, ou produtos orgânicos, ou até em atender maconheiros. Por toda parte bandos de outcasts, aquelas tribos que vivem nas bordas da sociedade – punks, hippies, umas figuras com quem você não gostaria de cruzar na rua de noite. Um estudo em auto-moda. Resultado da expedição: uma compra tão grande de queijos que poderia ser considerada investimento (a frase é da Clau). E fi-nal-men-te encontrei o chá de alcaçuz que eu procurava há uns quatro ou cinco anos!
E de noite, quando a casa aquietou, minha prima e eu nos sentamos para uma maratona de episódios de Blood Ties, acompanhada de uma degustação (ou seria consumo excessivo?) de queijos, com o barulho bom da chuva lá fora.
Cai o pano em mais um dia de minha jornada torontoniana. Hoje tem mais.

beijos a muuuuitos queijos a todos
Martha Argel

(PS. Um pequeno incidente curioso e que vale a pena contar: ontem, quebrando a cabeça num dado ponto de meu livro, bolei uma frase para um de meus personagens, Dá pra ler a cara dele como um livro de letras bem grandes. Fiquei na dúvida quanto a acrescentar “com figuras coloridas”, mas achei demais. De noite, retomando a leitura do conto This Town Ain’t Big Enough, da Tanya Huff, estrelando Vicki Nelson e Mike Celluci, topo com a seguinte frase: I can read you like a book. With large type. And pictures. Tive de ler umas quatro vezes pra conseguir acreditar. Caramba, não é à toa que ela é minha escritora favorita atualmente. Até as mesmas idéias nós temos. Com a diferença de que eu ainda precisaria crescer pra escrever como ela... Mas não é coincidência demais?! Foi também com um livro da TH que aconteceu um episódio dois anos atrás, em minha primeira vinda a T.O.: fui caminhando a esmo até chegar num sebo onde acabei comprando um livro dela. Chegando em casa, comecei a lê-lo... e o caminho que a personagem fazia no começo da história era e-xa-ta-men-te o mesmo que eu tinha feito pra chegar ao sebo. Really weird)

terça-feira, 15 de maio de 2007

15 de maio – Terça-feira

Continuo num estado de inatividade física quase total, que me dominou desde minha volta de Nova York. Estou pagando pra ficar em casa.
Tá, bate aquela culpa, vir até essa lonjura, pagar a maior grana, pra ficar trancada em casa? Meu grilo falante interno não pára de ralhar comigo.
Só que não estou, em absoluto, parada. Minha cabeça fervilha. Desde o começo, um dos objetivos desta viagem foi trabalhar num novo livro, algo bem mais complicado do que tudo que eu já escrevi.
Eu vinha me angustiando, nos últimos meses, com a quantidade de textos inacabados que lotam minhas gavetas metafóricas. Depois de várias conversas com a escritora Helena Gomes, decidi encarar de frente o problema, e uma longa caminhada a esmo, dias antes da viagem, me colocou no caminho certo e me encheu ao mesmo tempo de energia, determinação e um medo acachapante. E se não desse certo? Bom, o único jeito de descobrir seria tentando, e a viagem parecia uma excelente possibilidade de deixar outros problemas de lado e me concentrar nesse desafio.
Como resultado, brinquei com meu caderno de anotações durante as três últimas semanas, revisei interminável e obsessivamente parte do material já escrito até que, bingo!, consegui por fim achar um bom ritmo.
Isso foi ontem, e foi muito legal. Não apenas consegui ir adiante na história, como encontrei um jeito de incorporar trechos que havia escrito sem saber direito como inserir na trama principal. O que mais me entusiasmou foi ter criado uma cena bem legal, e inesperada até pra mim. Adoro quando isso acontece!
Durante a manhã escrevi em casa. De tarde, a Clau me convenceu a acompanhá-la até o analista dela. Levei o laptop, e fiquei escrevendo enquanto ela estava em consulta. Como rendeu! A mudança de cenário funciona que é uma beleza pra mim. Estar acomodada em um sofá macio e muito hippie num quartinho aconchegante e bagunçado de um terapeuta holandês que toma mate argentino, num dia de chuva, é muito mais estimulante do que lutar com a imaginação durante horas em meu escritório, que já conheço até a última rachadura da parede, cercada dos problemas diários, ao alcance do telefone, do celular e dos emaranhados viscosos da burocracia e dos problemas diários.
E tem toda a coisa de estar cercada por uma cidade que, no meu imaginário, está povoada de vampiros e outros seres sobrenaturais. Enquanto esperava para ser atendida, a Clau pediu para ver um pedacinho de Blood Ties. Caramba, o que estava ali na tela do laptop era a paisagem urbana que acabávamos de cruzar. Quando fiquei só, estava completamente mergulhada numa atmosfera de aventura e fantasia, que fluiu com uma facilidade incrível para dentro do texto.
Pra ajudar, tem mais duas coisas. Primeira, estou lendo um livro que a Clau pegou na biblioteca, "100 Things Every Writer Needs to Know". Você é escritor e acha que sabe tudo sobre sua atividade? Believe me, you don't. É um livro tão simpático, tão sensato, tão amigo, que é impossível não querer pôr tudo em prática de imediato.
Segunda, a Claudia ama escrever. Durante anos ela foi editora de literatura no jornal Valor Econômico. Ela está retornando a suas paixões profissionais agora que o Andrew está grandinho. E como é bom poder trocar idéias com alguém que não apenas escreve muitíssimo bem (ela tem uma redação e um vocabulário como poucos que eu já tenha visto), mas que não tem nem vestígios da arrogância e egolatria que grassam entre escritores com um décimo do talento dela.
Bom, este longo post sobre uma viagem mais interior que geográfica foi o aperitivo para o dia de hoje. A chuva mansa lá fora me convida a atacar o prato principal. Alguém está servido?

beijos e queijos de minas
Martha Argel

segunda-feira, 14 de maio de 2007

14 de maio de 2007, Segunda-feira

Voltei!!!!!!

Como vocês perceberam, sumi do ar durante toda minha estada em NY. Foi uma correria. Um resumo rápido desses últimos dias:

No domingo, dia 6 fiquei horas no jardim do John, andando de um espaço a outro, olhando as plantas, pensando na vida. Percorri o jardim não apenas ao vivo mas também nas páginas de um livro sobre os jardins mais belos do mundo, que tem um capítulo inteiro dedicado a ele. Simplesmente maravilhoso.
Uma historinha pitoresca: quando estava me falando sobre os portugueses em Rhode Island, o John contou que a mãe dele tivera um jardineiro de origem portuguesa, de sobrenome Cadeira; ele não sabia o que a palavra significava, e expliquei que era tanto quadril quanto o móvel que usamos para sentar. Mais tarde, quando estava passeando pelo jardim, cheguei em um espaço onde havia algo bizarro, duas cadeiras prateadas que, olhando de perto, eram feitas de imitações de ossos humanos. Eu tinha descoberto o paradeiro final de Mr. Cadeira (e provavelmente de Mrs Cadeira, é claro!).
Um de nossos passeios por Little Compton nos levou a Wilbour Woods, uma floresta linda, onde as árvores ainda estão nuas enquanto a vegetação rasteira já está verde. Fantástico. Ficamos imaginando trolls embaixo das pontes, altares de sacrifício e rituais tenebrosos. De noite deve ser arrepiante.
À tarde voltamos para Nova York, e chegamos bem na hora! Faltavam quinze minutos para Blood Ties, episódio 10, começar. UEBAAAAAAA! Vi "ao vivo" a já histórica cafungada do Henry no pescoço da Vicki. Babei de inundar o quarto, rsrsrs.

De segunda a quinta, 7 a 10 de maio, fui todos os dias com o John para o Zoológico do Bronx, trabalhar no projeto Aves do Brasil. Junto com a Kat, trabalhamos pra caramba, e finalmente conseguimos um entrosamento quase perfeito. Parece que até que enfim encontramos um ritmo para o projeto. Um fato digno de nota foi ter encontrado, tomando um lanche, Amy e Bill Vedder, os cientistas responsáveis pela proteção dos gorilas da montanha em Ruanda. Parece que os dois são bem importantes. E ficaram me elogiando um monte por estar tocando adiante o projeto Aves do Brasil, depois que o John babou bastante o meu ovo. Meu ego foi às alturas :-).
De manhã, antes de irmos trabalhar, sempre dávamos um pulo no Central Park pra observar aves, mas este ano o movimento estava fraco. A gente achava um monte de birdwatcher meio atarantado, resmungando que as aves não tinham chegado, o movimento tava fraco, só tinha umas poucas espécies. Estavam perdidinhos, perdidinhos!
Minhas refeições ao longo dessa semana foram muito legais. Os almoços foram sempre coisas rápidas no Dancing Crane, o gostoso restaurante dos funcionários do zoo, que parece um desfile de celebridades da conservação internacional da vida silvestre. Eu fico deslumbrada cada vez que vou lá. Os jantares primaram pela qualidade culinária, especialmente na casa do John. MF é realmente um cozinheiro de mão cheia, e ficava me mimando não só com seus pratos deliciosos mas com petiscos, chocolate, vinhos e muita bobagem divertida, que me fazia rir um bocado. Muito legal!
Na quinta feira fui comer com Kat e Pat num restaurante etíope. Gostei muito. Bem diferente, a comida vem sobre uns pães que parecem panquecas, e a gente come com a mão. Tinha um vinho branco etíope também, mas era um tanto doce. Foi ótimo ter saído com elas!

Tirei folga na sexta-feira, dia 11, pra passear e me despedir da cidade. De manhã fui ao Metropolitan Museum. Dica: a entrada de 20 dólares é apenas sugerida. Você chega no balcão e paga quanto quiser. Eu encostei e perguntei "tudo bem pagar 10?". Tudo. Se tivesse dito 5 também seria tudo bem. Visitei, claro, a ala dos pintores europeus. Depois zanzei meio a esmo pela parte da arte asiática. Interessante. Mas minha praia é, sem dúvida, arte européia dos séculos XV a XVIII.
Depois me encontrei com MF na Union Square, pra almoçar. Compramos comida num restaurante e sentamos na praça, um dos melhores lugares para ver o mundo inteiro passar. Rimos muito. Quanta gente bizarra! Quando ele foi embora, fui a uma Barnes & Noble, ali mesmo na praça, onde sempre vou, e por fim decidi que era hora de começar a ir embora de NY. Voltei pra casa, catei minhas coisas e às sete da tarde estava na rodoviária, Port Authority Station, onde encontrei o Gui.
Fomos jantar e fazer hora num restaurante tailandês. Nunca tinha provado a culinária Thai. Muito boa, apesar de apimentada (mas nem aos pés da coreana!). Em seguida passeamos por uma área recém urbanizada ao longo do rio Hudson, até dar a hora de ir à rodoviária.

Drops de Nova York

* continua meu problema com o transporte público. Tomei um trem expresso e baldeei direitinho na estação correta, paro o trem local que me levaria para "casa". Estava toda orgulhosa quando o alto-falante irrompe num blablabla ininteligível. Só peguei "this is not [alguma coisa] [alguma coisa] express train". Raios! Só podia ser uma coisa, e saí correndo do trem, bem a tempo. Aquele trem não seria local, seria um expresso, e se eu pegasse, ia parar só umas três estações depois da minha! Por pouco não me ferro de novo nos subterrâneos de NY.

* ainda no metrô: um dia entrei num vagão quase vazio, só eu e outra moça. Na estação seguinte, subiu um sujeito grandalhão, todo tatuado, e sentou quase na minha frente. O elemento começou a sacudir a cabeça, falar sozinho, fazer movimentos bruscos, como se estivesse sendo perturbado por assombrações. Chapado até as orelhas. Fiquei assustadíssima, porque cada braço dele parecia ser mais grosso que minha cintura, mas fingi que não havia ninguém ali comigo. Ainda bem que desci duas estações depois. Me disseram que esses tipos são comuns no metrô. "São inofensivos. Você só não pode olhar pra eles. Nunca olhe. Fica tudo bem." Ufa. Fiz a coisa certa.

* as tulipas estão por toda parte. De novo.

* e os cachorros continuam simpáticos. Nunca vi seres caninos tão amigáveis. Se você demonstra interesse, os donos deixam eles subir em cima de você, te lamber, te sujar com as patas enlameadas. Sempre orgulhosíssimos de seus pequeninos.

* usar patinete como meio de transporte? Sim. Vi uma garota chegando ao Metropolitan, desmontando de seu veículo e dobrando-o enquanto subia as escadas. Prático.

* desperdício é o nome do meio desta terra. A quantidade de junk mail que as pessoas recebem é tremenda. Cada fast food que você come gera um volume impressionante de lixo (reciclável, mas será que todos se preocupam em?). E num dia de especial calor, passei por um hidrante que jorrava um Niágara na rua. Me espantei. "É comum", disse o John, "Os moradores abrem para refrescar a rua. Precisa ver no verão, isso acontece por toda parte. Quando deixam a água espirrar para cima, como uma fonte, a polícia costuma fechar a rua para as crianças poderem brincar."

12 de maio - sábado

Neste instante estou em um ônibus, voltando para Toronto, e espero chegar lá com menos de duas horas de atraso. Quem reclama da desorganização do Brasil nunca tomou um dos desconfortáveis ônibus da Greyhound na rota NY-T.O. (pelamordedeus, são as duas principais cidades da América do Norte!).
Começou na rodoviária de NY: o horário na passagem estava errado, mudaram nossa fila pra outro portão e depois de volta para o original, deu confusão entre os passageiros da fila e entre os funcionários. Acabamos saindo mais de meia-noite. Durante a viagem, não houve "parada técnica" porque o local costumeiro estava fechado (!), tentamos ainda um McDonalds, mas também estava fechado, e acabamos tendo de usar uns horríveis banheiros químicos. Mais adiante, já de dia, e sem ter parado nem um instante para comer algo, paramos no meio do caminho pra uma diabética ir comprar não-sei-o-quê, mas a gente não pôde descer. Já mais do que atrasados, o motorista se perdeu em Buffalo e não conseguia achar a rodoviária (até que um passageiro ajudou).Em Buffalo, primeiro disseram que a gente tinha que descer com toda a bagagem pra mudar de ônibus, aí disseram que não, não podíamos descer nem pra ir no banheiro, e então disseram, "Tá legal, 10 minutos. Rápido que agora só tem nove. Vamos, vamos, são oito minutos". Consegui descer no quatro, fiz xixi em três e depois que voltei ao ônibus fiquei esperando um tempão. Enfim chegamos na fronteira. Tudo fechado, ninguém apareceu pra nos orientar. O motorista teve de ir atrás de alguém que explicasse como abria a porta da imigração pra gente entrar. Passei sem problemas, mas só porque já conheço os procedimentos. O agente da imigração ia esquecendo de recolher um documento que tinha de ficar com ele, e precisei lembrá-lo. Putz, se eu não tivesse percebido, provavelmente ia ser uma encrenca quando voltasse pros EUA. No fim, ainda esqueceram de devolver a carta de motorista do chofer do ônibus, e ele teve que voltar pra pegar!
Moral da história: em certas coisas a gente tá muito bem!!!

Não tenho muito o que dizer do resto do sábado e do domingo, 13 de maio. Dormi muito e me recuperei da viagem. Vida caseira.

Amanhã eu volto!
Beijos e queijos
Martha Argel

(e não esqueçam que tem um monte de fotos no multiply! http://marthaargel.multiply.com )