Pés gelados. Provavelmente será esta a tônica da viagem. É minha situação agora, sentada na cozinha da casa de minha prima Susana, vendo pela janela do pátio interno uma nesga de céu azul lá fora. Céu azul significa rápida troca de calor entre terra e atmosfera, e significa que as temperaturas caem rápido quando a noite cai.
Não sei exatamente qual a temperatura externa agora, mas deve beirar zero grau. Tandil, cidade vizinha, tinha menos seis, sensação térmica menos dez, às sete da manhã.
Quando a Susana nos alertou "tragam muita roupa quente, porque está fazendo muito frio", a gente não sabia bem o quê, exatamente, era muito frio. Descobrimos no segundo exato em que saímos pela portinhola do avião, ontem, no aeroporto de Ezeiza.
Eu já tinha achado que o início de viagem tinha sido venturoso, pois ainda no aeroporto de Cumbica eu encontrara, no minúsculo quiosque da livraria LaSelva no embarque internacional não um, mas dois, livros de vampiros... que eu não tinha!
A viagem pela Lan Argentina foi impecável, decolagem na hora exata, aterrissagem ainda mais pontual, serviço de bordo gentil e eficiente, companheiro de banco amável.
Enquanto descíamos para a aterrissagem, pela janela só se via uma massa impenetrável de nuvens. Assim, quando minha mãe saiu do avião antes de mim, duas pessoas entre nós impedindo que eu visse o dia lá fora, ouvi sua exclamação deliciada, achei que havia visto o sol. Mas assim que saí para o começo de tarde plúmbeo, a voz dela me alcançou:
"Neve! Está nevando em Buenos Aires!"
Nevava! O ar estava repleto de minúsculos flocos caindo muito mais lentos que chuva. As pessoas encapotadas que nos recebiam na pista estavam cobertas de partículas brancas. Todos olhavam ao redor de si, encantados, queixos caídos, meio sem acreditar.
Nunca neva em Buenos Aires! Uma nevada acontecida há quase um século ainda era tratada como um episódio quase tão inexplicável quanto discos-voadores ou o monstro do lago Ness. E agora, descendo do avião, éramos recebidos por... neve!
Quando o motorista nos encontrou no saguão, explicou que não era bem neve, era o que aqui se chama água nieve, flocos muito pequenos que derretem ao tocarem qualquer superfície. Em Rauch, a pequena cidade pampeana que era nosso destino, não estava nevando e muito menos chovendo, pois havia uma forte seca, informou ele.
E de fato. A água nieve nos acompanhou por uma parte do caminho. Chegamos sob céu ainda cinzento mas com mostras de estar abrindo, sob um frio intenso mas sem uma gota de neve, água nieve ou chuva. Já instaladas na sala aconchegante de Susana, descobrimos pela tevê que provavelmente estamos numa das raríssimas regiões do país que não estava debaixo de nevascas. E que, depois de nossa breve passagem pela Grande Buenos Aires, a agua nieve tinha se transformado em neve de verdade, e toda a região metropolitana estava absolutamente branca! Caramba, e a gente perdeu esse momento histórico!
Bom, pelo menos agora temos um propósito: vamos tentar achar neve. Aguardem os próximos capítulos de nossa busca.
Beijos gelados a todos
Martha Argel, direto de Rauch, Argentina
P.S. Minha mãe acaba de me chamar para ir ao quintal "Vem ver uma coisa que você nunca viu". Fui. "Toca o roupa no varal". Toquei. Dura como papelão. Congelada. De fato, eu nunca tinha visto. Já deu pra notar que a coisa não vai ser fácil...
terça-feira, 10 de julho de 2007
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