segunda-feira, 25 de novembro de 2002

Duas cenas urbanas...
Isto aqui não é a página policial de nenhum tablóide sensacionalista, mas não posso deixar de fazer comentar um fato muito mórbido. Estão todos aí devidamente estarrecidos pelo mais novo crime sensacional acontecido, para deleite da imprensa marrom (ou seria vermelha?), nesta Sampa que é nosso amor e nossa dor?
Pois bem, vocês sabem, eu caminho pra caralho todos os dias, de manhã bem cedinho. Pois todos os dias, de manhã bem cedinho, eu passo na frente da casa onde os assassinatos foram cometidos. É de arrepiar quando o grotesco está na casa ao lado, e não nas páginas da ficção ou na tela da televisão.
E o mais assustador é que, mais ou menos um mês atrás, a umas cinco quadras de casa, teve outro assassinato, não sei se alguém aí lembra, o da mulher que matou o marido e saiu dizendo que tinha sido assalto.
É o mesmo mundo em que eu vivo? É possível que essas flores que sempre vejo, as ruas tranqüilas, os sorrisos e bons-dias que salpicam meu percurso matinal escondam tantos dramas inconcebíveis?

... e duas cenas rurais.
No assentamento do INCRA do qual falei no post anterior:
1. Mal chegamos no sítio do casal, de idade mas nem tanto (uns 60?), a mulher, que acabávamos de conhecer, perguntou porque a gente não ficava pra passar a noite na casa deles. “A gente tá indo viajar, mas não tem problema, vocês podem ficar assim mesmo, a gente dá a chave para vocês. Vocês são gente boa, dá pra perceber”.
2. Choveu no penúltimo dia de nossa viagem. Uma tempestade medonha, que nos pegou em plena BR-153, já quase chegando ao alojamento, às dez da noite. Foram os quatro quilômetros mais longos de minha vida, e depois deles ainda enfrentamos atoleiros e galhos caídos de través na estrada, antes de chegarmos “em casa”, onde as goteiras se revelaram nos locais mais indesejados. No dia seguinte, a tentativa de atravessar uma poça resultou num carro atolado e inundado com água barrenta até a altura do tornozelo. Mas a cara de felicidade dos agricultores – que até um dia antes aravam a terra esturricada e procuravam no céu azul indícios do fim de meses de seca – nos mostrava que, para a lavoura, “tempo bom” não é exatamente aquele que nos leva às piscinas e à praia.
Também não é o mundo ao qual estou acostumada.

Mundos paralelos, estranhos, que surgem quando você ou eu dobramos uma esquina. Alguém aí se queixa de tédio em sua vida? É só abrir os olhos e começar a enxergar.

beijos, fiquem bem.

Martha Argel

sábado, 23 de novembro de 2002


Bom dia. De volta. Ao blog, à cidade, a esta moto-serra filha da puta que está acabando com a maravilhosa vista verde que eu tinha da varanda de minha casa.
Uma semana de trabalho de campo, a quase 500 km de Sampa. Oeste paulista, quem aí pode dizer que realmente conhece a região levante a mão, e não vale mentir. Ambientalmente fudida, economicamente exuberante. Fazendeiros podres de ricos que fazem questão de cortar até a última árvore de suas fazendas, porque querem produtividade, porra.
Surpresa, o trabalho era procurar espécies ameaçadas de extinção numa área de reforma agrária. Antigos sem-terra, hoje assentados. Quando me disseram, me arrepiei, reflexo de quem estudou na USP na época da Libelu, os cabeludos porra-loucas pé no saco que iam mudar o mundo com uma greve atrás da outra. Pensei, merda, lá vem discurso de companheiro, e igualdade e fraternidade, e vamos à luta, filhos da pátria.
Estúpida. Me enganei de verde e amarelo. Nunca mais acredito na propaganda da Globo de que os sem-terra são todos revolucionários sangrentos atrás da cabeça de fazendeiros patriotas. O que encontrei na Fazenda Reunidas, uma propriedade de 17.000 hectares onde estão assentadas mais de 600 famílias? Gente do interior, comum e simples, nada mais do que sitiantes. Pequenos proprietários, que plantam de tudo. Gente que vive tranqüila apesar de ter de vender um balde de mangas a 1 real, porque o atravessador é foda. Muitos velhinhos, mas muitos mesmo, que têm uma velhice tranqüila junto com suas famílias (pela primeira vez, vi gente de idade e não sofri por elas e pela falta de amparo no fim da vida). Crianças felizes, com comida abundante e não só escolas, mas também transporte escolar. Agricultores amáveis, que encheram nosso carro com abacaxis, mangas, jacas e palmitos de pupunha. Donas de casas vigorosas, com planos de “plantá fruteira no fundo do terreno, pros passarinho podê comê”. Homens e mulheres que recebem o perfeito estranho com um sorriso de velhos amigos. Comunistas ateus e revolucionários? Ha ha, nunca vi tanta igreja por hectare: pelo menos três em cada agrovila (são sete). O assentamento do INCRA nada mais é do que uma região de pequenos sítios onde antes havia um latifúndio de algum espertalhão que tomou posse de terras devolutas e nunca fez porra nenhuma de útil para os outros.
Se aqui no estado de São Paulo a reforma agrária é isso, só posso dizer: toca em frente!
(claro, não é perfeito, ambientalmente esses assentados amáveis e gentis são caçadores e desmatadores tão filhos da puta quanto os latifundiários, mas não quero falar sobre isso; ainda estou indignada demais com as cagadas que vi por todo o oeste paulista pra conseguir ser equilibrada ou razoável).
Ah, o resultado do trabalho? O corpo todo picado por micuins (carrapatos), cerca de 115 espécies de aves identificadas, lembranças maravilhosas de cerradões que pouco a pouco estão indo pro saco, e a detecção de uma ave que no estado de São Paulo é considerada Criticamente em perigo: a estranhíssima anhuma (Anhima cornuta) que parece uma galinhona com um chifre no meio da testa (juro!), mas que na verdade é parente dos patos. E as pequenas aventuras que transformam o trabalho de campo na melhor coisa do mundo: tempestades, atoleiros, encontros-surpresa com vacas e cães no meio do nada, a apreensão quando a gente perde o rumo no mato...
As cenas que ficam na memória: o bando de cabeças-secas (Mycteria americana) se alimentando numa poça na beira da estrada e a família de cachorros-do-mato (Cerdocyon thous), um adulto e dois cachorrinhos, atravessando a estrada de terra bem na nossa frente. E não tem dinheiro que pague um pôr-do-sol depois de um dia de trabalho de campo.

Fiquem bem, aproveitem o final de semana.

Martha Argel

segunda-feira, 18 de novembro de 2002


Bom, pois é, a crise passou e este blog que vocês lêem vai continuar no ar. Eu não sabia que tinha tantos amigos/leitores. Valeu mesmo, gente.

E depois de um final de semana cheio de amigos -- Giu, Tetsuo, Cintia, Priscilla, Dri, Lila, a amizade virtual da Vanessa (querida!) transformada em carne e osso (mais osso que carne) e a companhia distante e telefônica do Paulo -- estou zarpando.

Uma semana no meio do mato, em busca de aves ameaçadas de extinção. Eu amo isso, vocês sabem, e estou precisando. Vou estar fora do ar, o laptop vai, mas o cabo de conexão não, que é pra evitar tentações. E muitos de vocês talvez gostem de saber que uma das coisas que pretendo fazer nos momentos livres (há muitos momentos livres quando a gente vai pro mato estudar aves no verão) é organizar as idéias e tentar retomar o 'Amores perigosos' (porque vocês sabem, o amor de um vampiro sempre é perigoso).

Aliás, se vocês gostaram do RS, e estão a fim de algum dia ver nas livrarias o AP, que tal dizer isso pro pessoal da editora?? editor@novoseculo.com.br

beijos, e até a volta!!!

Martha Argel

quinta-feira, 14 de novembro de 2002

Tem coisas que são maiores até que minhas próprias dúvidas e indecisões.

Estou escandalizada.
Agora há pouco, tomando café com minha mãe, meus olhos caíram sobre um papel, obviamente um xerox ampliado. “Trabalho de um dos meninos”, me ocorreu, pensando em meus dois sobrinhos. Comecei a ler.

Solarização da Água
No decorrer do ano, os alunos da 3a série estudaram a importância do Sol no nosso planeta e também descobriram que a solarização é simples. A terapeuta Miriam Santos Leiner, São Paulo, recomenda colocar garrafas coloridas cheias de água (de mina ou filtrada) sob os raios do sol da manhã por duas horas. Os vidros podem ser transparentes e receber uma cobertura de papel celofane com a cor mais adequada à necessidade do momento: vermelho é usado para estimular a prosperidade; laranja, para a vitalidade; amarelo para o poder pessoal e a inteligência; verde, para a saúde; rosa para favorecer os assuntos amorosos; azul-claro para a auto-expressão; índigo para a criatividade; e violeta e branco (transparente) ativam a espiritualidade. Pode-se tomar 1 litro dessa água durante três dias. Não conserve o conteúdo além desse período.
Fonte: Revista Bons Fluídos (sic), maio 2002, no 36, pág. 10.


Só então entendi porque é que meu sobrinho de nove anos apareceu com duas garrafas revestidas de celofane colorido. Eu já tinha achado um absurdo que a atividade de artes desse como resultado uma coisa tão horrível e estúpida. Não conseguia imaginar que a realidade fosse tão mais grotesca.

Suponho que essa atividade tenha sido dada um pouco depois de uma aula de português sobre como tornar mais eficiente sua comunicação com seu anjo da guarda, uma aula de literatura sobre os romances psicografados, uma aula de ciências sobre a importância dos horóscopos e da quiromancia no nosso dia a dia, uma aula de geografia sobre a importância de colocar garrafas d’água em cima do registro para atenuar a crise de abastecimento de água, sem falar, claro, nas aulas de arte abordando o feng shui. Espero que não tenham esquecido de ensinar que a privada é um grande escoadouro de energia do lar, e é por isso que a tampa tem de estar sempre abaixada e a porta do banheiro fechada, porque senão a felicidade escorre junto com a água da descarga (já ouvi isso a sério, juro). Vou sugerir que no ano que vem ensinem também a prever o futuro através da interpretação de sonhos e a combater a ação maléfica dos vampiros emocionais. Melhor ainda, que parte da carga horária de ciências seja utilizada em uma nova disciplina, Esoterismo ou Auto-ajuda.

NUNCA VI TAMANHA PALHAÇADA!!! Irresponsabilidade, ignorância, credulidade. Será que foi a professora de ciências que deu seu aval a essa bobagem new age? Caralho, que mais andarão ensinando meu sobrinho? A votar em evangélicos para que Deus assuma o poder no país?

O nome da espelunca é Colégio Ricardo Nunes. Uma escola conceituada aqui no bairro, tida como séria e conservadora (se bem que uma vez fui numa festa junina e notei que a professora de uma das classes de pré-escola usava calças tão justas que permitiam uma leitura labial quando ela caminhava). Estudei lá quando criança. Nunca aprendi a solarizar a água. Talvez por isso seja desfavorecida nos assuntos amorosos, e que me sinta tão completamente perdida emocionalmente. Será que é tarde para começar?

terça-feira, 12 de novembro de 2002


Muito provavelmente este blog está chegando ao fim de sua vida útil, ao menos na presente forma
Tem sido uma experiência interessante, mas não inócua. Expor os pensamentos mais pessoais a completos desconhecidos, sem qualquer inibição. Ok, é a síntese do escritor, do artista, expor-se. Mas mesmo assim.
Hora de repensar e descobrir para quê, afinal, existe este espaço.

um beijo e um queijo

Martha Argel

segunda-feira, 11 de novembro de 2002


Nem as rosas seguraram.
Volto quando estiver melhor.

cuidem-se

tita

sábado, 9 de novembro de 2002


Breve adendo ao post anterior:

Então. Com os olhos cheios de lágrimas.
Saí, por fim, para caminhar, sob o sol que já espantou o frio. De volta, nas últimas quadras a depressão do fim de semana ameaçou, como sempre, me levar pro fundo do poço, apesar de eu vir resistindo ferozmente a ela, há semanas. O de sempre: não sou A PESSOA para ninguém, não há ninguém que pense em mim antes de qualquer outro ser humano do mundo. Eu sei, esse é o caminho mais curto para a auto-piedade, e não há sol, livro ou festa programada que dê jeito.
Então cheguei em casa. Um buquê de rosas cor de salmão me esperava. ''Presente do cachorrinho''. O poodle cego, lembram-se? Deus do céu, nunca ganhei rosas tão lindas, eu que adoro receber flores e nunca recebo. Minuciosa, contei uma a uma, são quarenta, e a cor é adorável. Puxa, vejam aí embaixo, eu dizendo como namoro as rosas todos os dias, frente à igreja. O evento certo, na hora exata. Acaso? O que eu disse sobre fazer acontecer, uns dias atrás, me pega pela garganta, e dá um nó que imobiliza até minha própria lógica.

O sol lá fora, nuvens brancas em campo azul, se vocês não curtem, problema de vocês. Eu gosto, e é o que quero para mim hoje.
Tenham todos um bom dia.

tita
Bom dia, friiiiiio! Delícia. Eu aqui, desde as três da manhã. Chocolate quente, Mozart (concertos para oboé, trompete e flauta) e um conto que parece que está dando certo.

Ontem: consciência pesada pelo tanto que tenho comido, saí pra caminhar de novo à tarde, em pleno horário de congestionamento (só pros carros, não pra mim). Ponto extremo de meu percurso, em frente à igreja, e em meio aos carros parados no engarrafamento vem correndo, direção contrária à minha, uma escultura. Sem camisa, short mínimo, cabeça rapada. Não muito alto, mas com músculos que raras vezes vi ao vivo. Um touro malhadíssimo Meu queixo caiu. Continuei andando, o sujeito passou impávido e não resisti, como os homens que conferem a bunda da gostosa que passa, continuei andando mas o pescoço foi virando pra não perdê-lo de vista. Nisso um moleque qualquer me ultrapassa e diz baixinho, pra mim “Macaco assim só em árvore”. Puta que o pariu, o monumento que já se afastava era negro. Fiquei emputecida “Macaco é você, olha o teu corpo e olha o dele”, e continuei andando. O cara entrou em passo comigo “Eu também tiro a camisa, quer?” e já ia mesmo tirando. Sem diminuir a marcha, medi-o de alto a baixo. Nem tão magrinho assim, mas me poupe. “Nem se preocupe”, em tom de absoluto desprezo. “Eu tiro” insistiu ele. “Não vale a pena” e apertei o passo. “Você gosta de negão?”. Fiquei calada, eu gostaria é de mandá-lo à merda, mas engraçado, o tom dele já era de cantada. Parei de repente na frente de uma banca de flores onde sempre paro (nunca tenho dinheiro, mas sempre namoro as rosas) e ele, pego de surpresa, seguiu em frente. Só teve tempo de virar o rosto e dizer um amável “Tchau”, enquanto, percebi de rabo de olho, me olhava dos pés à cabeça. Eita! De noite, papeando com a Giulia, ela me chamou de boba. “Devia ter deixado ele tirar. Aí então dizia: agora ajoelha”. Puta, é mesmo! Da próxima, já sei.

Hoje: seis e meia, o vento frio lá fora e eu escrevendo aqui. Não quis sair cedo pra correr. Num ponto complicado do conto, fui pra varanda pra espairecer. Pela rua vem caminhando um homem. Reconheço-o: um senhor coreano sorridente, que sempre que cruza comigo ri ainda mais e diz “Corre muito, né”. Acenei, ele acenou de volta, sorriu. “Não saiu hoje”. “Ainda não, muito frio”. Aí ele fez uma mímica de corredor com os braços, sorriu ainda mais e disse “Corre muito, né”. O que é a reputação!

Bom, aproveito e coloco aí embaixo um continho que escrevi ontem. Quer dizer, que reescrevi em cima de uma idéia surgida durante uma das e-festas do Tinta Rubra.

Tenham todos um belo sábado de sol!
tita

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A cura para o tédio
Martha Argel

Não gosto de tédio. Quero ação. Diversão. E não tenham dúvidas, não espero cair no colo. Vou atrás.
Hoje, por exemplo. Depois que anoiteceu, e não sou de perder tempo, a janela estava ali, aberta para a noite, e eu com fome, tesão quem sabe, talvez durante o dia um sonho molhado com um bom amante há muito devorado. Sem dúvida, uma boa dose de adrenalina não viria mal.
À caça, portanto!
Sabia onde. Uma avenida movimentada. Piranhas até o 1700, travestis daí em diante, e os moradores escondidos detrás de portas e janelas fechadas, falsa normalidade. Uma sombra perto da esquina, altura do 2000, mais que perfeita para minha tocaia. Nada longa, a tocaia, menos mal. Logo um boyzinho, Golf prateado quase zero, encostou, disposto a negociar com a mulher alta e esguia que não era mulher, mas que homem também não era. Foi a hora que escolhi para aparecer. O ser andrógino se enfureceu, querendo roubar meu ponto, piranhinha vagabunda? E veio pra cima de mim, com uma faca que, bem, fui eu quem usou na barriga dele/dela. Sangue desperdiçado, mas não era ele/ela quem eu queria, era o boyzinho e seu olhar de choque aterrorizado, próximo alvo, desta vez de meus dentes, assim que o puxei para fora do carro, enquanto a criatura nem homem nem mulher agonizava na calçada, contorcendo-se numa poça malcheirosa de seus próprios líquidos e excreções.
Hum. Sangue forte, denso, saudável não fosse pelo aftertaste de colesterol, e... que mais... vejamos... álcool, cheira a whisky, e ah, claro, cocaína circulando pelo corpo, no sangue, agindo nos pontos certos do cérebro, como deve ser, cumprindo seu papel e alterando percepção, prazeres, tédio. Deixando o cara ligado.
Hum.
Foi boa a ação, ah, sim, foi muito boa.
Como eu disse, não gosto de tédio.
Esse boyzinho ainda está comigo. Um pouco menos ligado, amedrontado, fraco pela perda de sangue, é verdade, mas está aqui, no banco do passageiro, enquanto me divirto, música alta e o carro alucinando sob meu controle pelas avenidas paulistana. Velocidade, sangue, talvez algum sexo daqui a pouco, e antes do sol sair, menino bonito, seu tédio acaba para sempre. Te prometo. Hoje me sinto um anjo de piedade.
Ei, você aí, quer que eu acabe com seu tédio também?

quinta-feira, 7 de novembro de 2002


Eu gosto de trabalhar. E quando o trabalho é bom, gosto ainda mais. É bom fazer o que a gente gosta. Anteontem, senti no rosto a chegada da frente fria, vento e chuva no alto de uma montanha. Ok, geomorfólogos puristas, não tentem acabar com minha ilusão, argumentando que não há montanhas em São Paulo, apenas morros. Acabem com minha ilusão de paz, minha ilusão de um dia encontrar o amor, mas não com a ilusão das montanhas. Eu até deixo vocês chamarem as aves de 'passarinhos', e as serpentes de 'cobras', mas permitam que eu continue com minhas montanhas!

Ontem, minha pequena travessura foi comer um frutinho que há semanas me tenta. Um arbusto espinhento, num jardim abandonado. Uma solanácea. As solanáceas são terrivelmente perigosas. Há solanáceas na mesa nossa de cada dia, como o tomate e a berinjela, mas há solanáceas cheinhas de alcalóides que te fodem de verde e amarelo. Venenos foderosos. Se tem um coisa que biólogo de campo aprende é: aprenda a reconhecer uma solanácea, e NUNCA coma seus frutos (isso pode salvar sua vida se vc se perder no mato). Então essa solanácea espinhuda me olhava, sedutora, há uns dois meses. Ontem foi o dia. Fruto dourado da chuva. Doce como açúcar, mas lembrando o tomate. Estou viva até agora.

E hoje: passei pela planta mas não comi o fruto maduro que acenava para mim. Amanhã eu como. Quase chegando em casa, vejo um cachorro com cara de perdido. Um poodle, chamei, me ignorou, tropeçou numa raiz. Velhinho. Cego. Dobrou a esquina e foi em direção à avenida. Uma suspeita e corri como uma doida. A quadra e meia de minha casa uma mulher, já velhinha, tem um poodle cego. O portão estava aberto. Bingo. Enquanto eu hesitava, a mulher apareceu na janela, e ficou ensandecida com a notícia que lhe dei. Saí correndo por um lado e pedi para ela cercar por outro. Na avenida, nada, continuei correndo, ninguém tinha visto, mas porra, o cachorro tinha vindo pra cá. Até que os sindicalistas que estavam fazendo uma manifestação na frente de uma fábrica gritaram ''o cachorrinho branco? atravessou a avenida!'' Voltei pra trás, até a avenida, e não acreditei: o bichinho estava do outro lado, sentadinho, com cara de que que eu faço agora. Atravessei voando, o semáforo ajudou, e me vi cara a cara com um cão que não me conhecia. Que que eu faço??? Dando adeus à bela pele de minhas mãos, agarrei o bicho com força, e ele, claro, ferrou os dentes em mim. A sorte é que ele é velhinho, e quase banguela!!! Ficaram só duas marquinhas. Depois, a velhinha abraçou o bichinho como se fosse o maior tesouro da vida. Provavelmente é. Provavelmente ele lhe dá mais carinho do que os filhos dela.

Pra terminar: em vez de ficar reclamando de que nunca acontecem coisas interessantes na sua vida, faça as coisas acontecerem, ok? Não tem festa pra ir? Pois então dê uma festa, porra!.

Parece que o dia vai ser de sol. Aproveitem as cores e a luz!
tita

domingo, 3 de novembro de 2002

Seis da manhã pelo horário de verão, e eu não consigo dormir. Então aproveito pra trocar uma idéia com meu blog e com vocês.

A Rainha Elizabeth e o pintudinho canadense
Hoje teve festa surpresa na casa de minha tia Tida, que fez 83 anos. Parece ter 60. A gente chama ela de Rainha Elizabeth, é a cara da soberana britânica. Ela não sabia que ia ter festa. Invadimos a casa de surpresa. Ela levou um susto. Aliás, ela já tava com cara de susto quando a gente chegou. Minha prima Claudia está de mudança para o Canadá, e hoje era o dia de empacotar tudo -- ''tudo'' quer dizer ''livros'', centenas deles. A história da minha prima, se virasse filme, ia ser criticada como ''absurda demais". Final do semestre passado ela perdeu o emprego de jornalista num jornal foderoso; por vários motivos ficou sem um puto, e foi assim, sem um puto, que ela resolveu ir visitar outra tia nossa, na Califórnia. No caminho, fez uma escala no Canadá (Toronto, acho), onde nem bem chegou, logo no primeiro dia foi apresentada por uma garçonete (!) a um coroa enxutaço. Dois dias juntos, e o resultado foi que ela chegou aos EUA já carregando um clandestino na barriga. Voltou pro Brasil de três meses, o coroa enxutaço já veio e foi, acertaram tudo e o resultado é que a mocinha que até começos deste anos era uma respeitada jornalista especializada em literatura vai ser, em breve, mãe de um canadense que, sendo minha família o que é, já recebeu um carinhoso apelido que provavelmente carregará pelo resto da vida: Pintudo.

O Vamp Festival 3
Foi ontem, hoje, sei lá. Já deu pra sacar: a marca registrada dos Vamps Festivais é a casa tão lotada que vc mal consegue andar. Dessa vez conseguiu entrar todo mundo, mas putz, definitivamente não dá pra ficar até o fim. É gente demais. Foi na Tribe House, em Pinheiros. Não vi se o banheiro prestava, ou se o som na pista era legal. As banquinhas com acessórios góticos estão cada vez melhores, a iluminação era suficiente para curtir as roupas, o lugar era ventilado, e as pessoas estavam bonitas. Quem foi: comigo estavam, claro, a Giu e a Cíntia; encontramos o Lord e a Lady Van; depois achamos o Adriano Siqueira e a Lila, sua noiva (eeeeeeeh!), e quando entramos, a Vampirella se juntou à turma. Também o Marcos Torrigo, muito simpático, e dessa vez conversamos bastante. Pra mim foi uma noite de autora celebrada. Autógrafos, sorrisos e, olha só, um fã que chegou com os olhos brilhando ''Você é a Martha Argel? Puxa, li seu livro, achei demais!". Meu, foi o máximo! Resumindo, o segredo dos Vamp Festivais é: chegue cedo, vá embora cedo e depois passe no Franz Café e fique curtindo os amigos até o sol nascer...

O garçom vampirófilo
Então, lá pelas três da manhã a Giu, a Cintia e eu chegamos ao Franz Café da Aclimação. Coloquei em cima da mesa o fanzine vampírico do Adriano Siqueira, o Adorável Noite. Veio o garçom. Olhou o zine. ''Esse é o Bela Lugosi, é muito bom, mas eu prefiro o Christopher Lee, porque foi com ele que apareceram pela primeira vez os dentes pontudos no cinema". Ficamos pasmas com o comentário e eu, pra testar, perguntei em que ano foi isso. Ele franziu a testa, pensou um pouquinho e lascou ''Acho que foi em 58''. Cacete!!! O cara era bom mesmo! Ficamos um tempão batendo papo. Corolário da Giulia: ''Fãs de vampiros podem estar onde você menos imagina...''

O doutor das bichas
E chegando em casa, não consegui dormir. Por isso vim pra cá, matar o tempo pra ver se o sono chegava, e vi o comentário do Paulo Castro no post anterior. Sim! Eu venci as bichas! Através do Método do Doutor Castro para Tratamento das Bichas, me livrei dos nemátodos, protozoários e bactérias. O método dele é o seguinte: o paciente tá ferrado que nem eu, com parasitas saindo pelas orelhas, de todos os grupos zoobotânicos possíveis e pra cada um precisa um veneno diferente? O paciente morre se tomar tudo de uma vez? Não? Então vai, tudo junto: três venenos diferentes e mais um troço pro estômago não ir pro saco. Pois é. Os primeiros dias foram uma merda (ou uma seqüência de), mas sobrevivi. Hoje sou uma pessoa melhor. Doutor Castro é porreta. Entende tudo de bichas!!!

É isso aí. Agora são vinte pras sete. Não sei se tento dormir ou se saio pra correr meus 4 km diários.
De qualquer forma, tenham um bom dia e aproveitem que o domingo vai ser de muito sol.

beijossss
tita

sexta-feira, 1 de novembro de 2002

Este textinho eu escrevi num e-mail pro médico que está cuidando de meus achaques. Ele é um cara legal. Intrusivo, segundo ele, e entende pra cacete de bichas... ops... desculpem, verminoses e outras parasitoses em geral.

Complô de baixo nível

Queridos nemátodos, protozoários e bactérias:
Eu sei que vocês levaram milênios e mais milênios para se transformarem em formidáveis e eficientíssimos parasitas, as máquinas orgânicas mais fascinantes que existem, capazes de explorar outros seres vivos e de usá-los como fontes de alimento, sem matá-los.
Perto de vocês, leões e tubarões são toscos açougueiros.
Vocês são sutis, pequeninos, passam quase despercebidos.
Exceto quando exageram, e enlouquecidos de empolgação, se multiplicam além da conta. Aí a gente percebe que tem algo de errado e toma providências. Providências e venenos pra extirpá-los de nossas entranhas.
Como eu estou tomando.
Companheiros nemátodos.
Companheiros protozoários.
Companheiras bactérias.
EU QUERO QUE TODOS VOCÊS VÃO PRA PUTA QUE OS PARIU!!!
Pra não dizer vão à merda.
Na verdade, pelos menos os nemátodos estão indo.
Se é que vocês me entendem... :-P

ass.
Martha ''Tita'' Argel
(o mais recente hotspot de biodiversidade na face da terra)