quarta-feira, 31 de março de 2004

Olá, todos.

Saio de viagem daqui a pouco (uma semana no mato, passarinhos e nenhuma paz, afinal estou indo fazer três trabalhos de uma só tacada), mas gostaria de deixar vocês na companhia de um texto escrito por um grande amigo meu, o José Flávio Cândido Júnior. É sobre uma dessas tolices que pululam na rede e que muita gente leva a sério.
E quem melhor do que um ornitólogo que já foi presidente da Sociedade Brasileira de Ornitologia para expor o ridículo da bisonha parábola sobre...

A ÁGUIA QUE SE RENOVA AOS 40 ANOS

Minha paciência já se esgotou com essa história, porque muita gente escuta essa bobagem sem tamanho e vem me contar maravilhada a sabedoria do mundo animal. Eu explico cuidadosamente para todos, mas por dentro fico gemendo de indignação por uma bobagem tão óbvia ser veiculada de modo tão sistemático. Isso até me assusta às vezes, porque se uma bobagem dessas é repassada e aceita como verdade, que tipo de mentira nós estamos aceitando sem perceber?
Pois bem, vamos lá: a águia não resolve(!) morrer ou continuar vivendo. Isso pressupõe que a ave conseguiria pressentir o momento da morte e tomar uma decisão baseada em raciocínio abstrato. Se nem a espécie humana, com seu intelecto pretensamente superior consegue pressentir a morte ou agir sempre baseado no raciocínio, não dá prá acreditar que uma ave faça isso. Lembrem-se que a capacidade intelectual de abstração ou de julgamento das aves não é lá aquelas coisas.
Ela não arranca suas penas para se renovar. As penas das aves mudam em média uma ou duas vezes por ano, dependendo de desgaste, acidentes, alimentação, reprodução ou situações especiais. De qualquer forma, as penas de uma águia não duram 40 anos e portanto ela não precisaria renová-las ao final desse período.
Arrancar as garras com o bico? Ai! Sugira que as pessoas tentem arrancar as unhas com os dentes e depois voltem a falar se isso faz algum sentido.
A história da águia bater o bico no penhasco até quebrá-lo e assim poder renová-lo é até sádica. Muita gente não sabe, mas o "bico" de uma ave é composto por uma bainha córnea (um tipo de "unha"), que envolve um osso. Assim, se a tal águia quiser substituir o bico, vai ter que quebrar não só uma estrutura externa (que é o que todos vêem), mas também um osso que fica por baixo dessa estrutura. Sugiro novamente que os desavisados tentem quebrar um osso do crânio batendo no paredão de rocha e depois venham me dizer se isso tem algum sentido.
Ah! e tem o lance de ficar 40 dias no ninho esperando que tudo sare(!) e se recomponha. E ela come o quê? Ar? Fico imaginando um serviço de teleentrega de papinha (sim, papinha, lembra que ela está sem garras e sem bico?): "Eagle Delivery: a sua solução em papinhas. Você, dona águia, que decidiu viver mais 40 anos, não deixe de ligar prá gente. Temos várias opções em papinhas que irão te fortalecer e fazer ficar com penas, garras e bico brilhantes, novinhos e resistentes. Todas as nossas receitas são balanceadas e preparadas com supervisão de nutricionista. Lembre-se que a alimentação é muito importante prá quem quer viver mais 40 anos...."
Ai, meu Deus.
Voltando a falar sério, fico imaginando se essa fábula não seria uma atualização da fábula da fênix, que ao pressentir sua morte, constroi um ninho, deita-se sobre ele e espera que os raios do sol (!) botem fogo nos gravetos. Após tudo queimar, no meio das cinzas resta um ovo, que se choca sozinho (!) e de onde surge outra fênix renovada e com penas novas, etc. etc. etc.
De qualquer modo, se é útil para a auto-ajuda, presta um desserviço prá ornitologia, porque contribui para a perpetuação de uma bobagem sem fundamentação biológica.

Abraços, Flávio

É isso aí. Parabéns, Ex-Pre, pelo texto. Oxalá mais cientistas descessem de seus pedestais e explicassem as coisas como você fez, em vez de menosprezar ou escarnecer quem não tem acesso à informação correta.

beijos a todos, não aceitem cegamente nenhum tipo de conselho (nem mesmo este)

Martha Argel

terça-feira, 23 de março de 2004

Bom dia a todos. Este blog está meio abandonado, confesso. Acho que estou atravessando um período de diapausa, como o que os insetos passam dentro de suas pupas. Eles parecem quietinhos, inertes, quase como se estivessem mortos, mas na verdade estão em transformação, preparando-se para emergir de seu casulo e viver uma estranha vida nova.
Tá bem, nada de melodramas. Não sei se o que acontece comigo chega a ser profundo ou vital. Poderia ser. Por outro lado, pode ser que esse "poderia ser" seja fruto, não da lógica da cientista afeita à análise das estatísticas, mas do sonho da escritora que viaja nas possibilidades e impossibilidades.
Nossa, já amanheceu! Chega de divagações, tenho um trabalho para terminar.

beijos & queijos, e bem-vindos ao outono.

Martha Argel

sábado, 13 de março de 2004

Afinal, parece que os assassinos não são do ETA e sim muçulmanos. Ontem zapeando entre a tevê espanhola e a CNN me dei conta da gigantesca manipulação da opinião pública, tanto pelo governo espanhol quanto pelo pseudopresidente Bush (aquele que ganhou o cargo na base da maracutaia).
Não bastasse estar sentindo quase na pele o massacre de Madrid, recebo hoje um e-mail que traz mais perto o caos haitiano: um amigo me conta que seu irmão foi mandado para Porto Príncipe como parte das forças de paz. Nós, latino-americanos, não estamos afinal, longe do resto do mundo.

Paz!

Martha Argel

sexta-feira, 12 de março de 2004

Que dizer? Que fazer?
Há dois dias estou, indignada e impotente, presa à televisão. O horror dos atentados é grande demais para poder imaginar o que essas pessoas estão passando.
As manifestações espanholas são algo impressionante. Há pouco chorei e choro de novo, quando a tevê espanhola mostra as cenas de milhões de pessoas reunidas. Estranha coincidência, a trilha sonora que usam é a música que tenho ouvido sem cessar nos últimos três dias, a Terceira Sinfonia de Górecki.
Não dá pra fazer o tempo voltar atrás e evitar esse massacre?

cariños a todos, cuidem-se

Martha

quinta-feira, 11 de março de 2004

Bom dia.

No fundo, todos todos somos iguais. Os sentimentos, as reações, as emoções são sempre os mesmos. Por isso um livro, um filme, uma música se tornam êxitos, porque tocam a mesma tecla, fazem ressoar a mesma corda em todos aqueles que têm sensibilidade suficiente para sentir aquela emoção específica.

Tinha intenção de escrever alguma coisa que se tornou totalmente irrelevante frente às cenas que estou vendo na televisão. Estou horrorizada com os atentados de Madrid. Não dá pra entender, de forma alguma. As pessoas cobertas de sangue, as expressões de perplexidade, de dor, de desespero. Anos atrás estive em Madrid, e passei muitas vezes pela estação de Atocha, a mais atingida pelas explosões de hoja. É um dos pontos vitais da cidade, não apenas por ser uma estação importante, mas porque tem VIDA. Num dos saguões vi uma floresta tropical de verdade, com aquecimento e com aspersores que deixavam no ar uma neblina constante. É incompreensível, ver cenas de terror em um lugar onde passei momentos especiais.

Foi a ETA? Por que fazem isso? Por que os bascos, um povo incrível, com uma cultura interessantíssima, precisam usar essa violência indiscriminada e criminosa? Euskadi ta Askatasuna, mas não a esse preço! PAZ! BAKE!

Fiquem bem.

Martha Argel

segunda-feira, 8 de março de 2004

Oscillate wildly.
É o nome de uma música dos Smiths.
É a música que ouço agora.
É como me sinto.
Não sei o que fazer com toda a energia que sinto dentro de mim já há alguns dias, o desejo de fazer tudo de uma vez. Acabo começando mil coisas ao mesmo tempo. Algumas termino, algumas não. Outras esqueço, como a panela no fogo: só me lembro ao ouvir o barulho da água fervendo (invariavelmente é água para um chá de erva-cidreira, em teoria um calmante que obviamente na prática não me faz efeito algum).
Tenho tentado ficar longe das pessoas. Mas telefone e internet são uma praga. Ontem meti os pés pelas mãos, acho. Não vou me torturar por isso, mas me assusta. Me assusta a intensidade com que posso atingir quem importa para mim e se importa comigo.
Esse excesso de energia e essa resposta exagerada aos estímulos do meio fazem com que a irritação provocada pela imbecilidade humana atinja níveis muito além da escala. Essa cretinice de Dia da Mulher, por exemplo. Me faz querer sair por aí chutando partes sensíveis da anatomia alheia.
Talvez numa conspiração cósmica visando reestabelecer algum controle, estou justamente terminando meu conto, num gran finale apoteótico de violência e crueldade, e a chance de extravasar ao menos um pouco dessa avalanche emocional não está sendo desperdiçada.
Mas não se enganem: toda essa intensidade tem uma origem. É a euforia que faz minha cabeça girar. Estou feliz e não consigo entender esse estado. Talvez seja muito mais fácil lidar com a tristeza, a melancolia, a insatisfação do que com a felicidade.

Tenham uma boa semana. Vivam. Não se deixem estar mortos dentro de carcaças inertes. Sintam e façam e corram o risco de alcançar seus sonhos.

Martha Argel

sábado, 6 de março de 2004

E essa chuva, nao termina nunca? Frio e garoa na escuridao, esta eh Sampa nos ultimos dias.
Sem muita inspiracao pra postar, talvez como um efeito colateral de, apos tanto tempo, ter voltado a escrever ficcao. Ainda persiste uma indecisao, a paixao pelas emocoes que a fantasia nos permite criar ou a tentacao de re-explicar o mundo, revelar pequenos misterios e mostrar a natureza atraves dos olhos da ciencia. O pendulo oscila entre dois extremos, e talvez seja va a tentativa de dete-lo em algum deles. Talvez seja de sua natureza propria a oscilacao. Ontem foi um dia inesperado, pleno de incentivos. Longos telefonemas que me devolveram o folego que tao curto ia ficando nos ultimos tempos. E a decisao: seguir com os contos, seguir com o terceiro romance, investir nas cronicas, nao desistir de meus livros de aves. Ok, estao vendo? Ambicao. As estantes serao minhas!!! (em tom maquiavelico, e esfregando as maos).
O que estou lendo: um livro sobre aparicoes da Virgem Maria. Eu me pergunto porque as aparicoes sempre sao em aldeias remotas, para semi-letrados e sempre tem mensagens vagas como "orem", "jejuem", "a tragedia se aproxima e o mundo vera um sinal no ceu se nao mudar sua conduta". Por que nao ha aparicees em Nova York, no Vaticano ou no parque do Ibirapuera no domingo? Por que o milagre nao acontece com o Papa, com o Bush ou o Fidel Castro? Por que o alerta e sempre contra a Russia e nunca contra os paises arabes? Por que as previsoes nunca contem fatos especificos e comprovaveis como "no dia 11 de setembro de 2001 havera um grande sacrificio de almas em plena Nova York, causado por fanaticos religiosos islamicos"? Ja sei, ja sei! "Martha, voce nao tem fe, os caminhos Dele sao inescrutaveis e nao sao como os caminhos do homem". Nem da mulher, diga-se de passagem. Na minha humilde opiniao, tem um vies metodologico nessa historia de aparicoes. Alguem devia reavaliar a tecnica.

E pra quem se interessar, as informacoes sobre a peca em que minha sobrinha Natalia Cardoso atua:

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MUITO BARULHO POR NADA, adaptacao de Silvio Tadeu e Edmar Castro para a peca de Shakespeare. Comedia. A acao desenrola-se num baile de mascaras e o barulho do titulo se refere a serie de trapalhadas, reviravoltas e traicoes que envolvem um grupo de soldados. No centro da trama esta um casal apaixonado, que reluta ao sentimento por meio de inesqueciveis duelos verbais. Com Marilia Caseiro, Paulo Magalhaes e Allan Rodrigues. Direcao dos adaptadores (75min). 12 anos. Espaco 2 de Artes - Sala Linneu Dias (90 lugares). Rua Clelia, 33 (Shopping Pompeia Nobre), Pompeia, 3864-3129.
Sabado, 20h30; domingo, 20h. R$ 20,00. Ate 25 de abril. Estreia prometida para sabado (6).
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Curtam o final de semana.

Martha Argel
(por algum motivo, a acentuacao simplesmente sumiu no blogger! raios!)

segunda-feira, 1 de março de 2004

Feliz Ano Novo a todos. Agora não tem mais desculpa, né? Todo mundo trabalhando, já!
Finalmente acertei a mão nas leituras. Dias atrás li "El Príncipe", do argentino Federico Andahazi. Excelente, texto inteligente e ágil, com um humor que em certos momentos é alucinante. Não sei se esse cara já foi traduzido para o português. Provavelmente as editoras estão tão ocupadas traduzindo porcarias ianques que não têm tempo para voltar os olhos para a produção de nossos próprios vizinhos.
Agora estou lendo um livro de contos de Conan Doyle. Bacana.
O que me faz lembrar: sábado conheci por fim a tão falada Fnac da Paulista. Pra quem gosta de geringonças eletroeletrônicas, é o paraíso. A livraria em si me deixou deprimida. Bom, pelo menos é uma livraria a mais em Sampa, já é algo. O café é uma palhaçada, quatro mesinhas e acabou, não dá pra considerar point cultural mas nem a pau.
E ontem a Giu e eu fomos ao Bexiga assistir à peça "Muito barulho por nada", de William Shakespeare, na qual minha sobrinha Natália Cardoso atua. Fiquei orgulhosa. Foi sua estréia fora do grupo amador onde ela começou. Ela foi convidada a substituir uma atriz, e teve apenas duas semanas para ensaiar o papel de Margareth, a aia que involuntaria e temporariamente faz fracassar o casamento de sua patroa Hero com o nobre Claudio. Mesmo sendo a mais inexperiente do elenco, ela se saiu muito bem. A peça vai ter agora uma temporada de dois meses. Depois eu posto aqui as informações. Vale a pena. O texto em si é maravilhoso, inteligentíssimo, e a montagem está muito divertida e inspirada.
Beijos a todos. Dêem o melhor de si neste ano que se inicia!

Martha Argel