Continuo num estado de inatividade física quase total, que me dominou desde minha volta de Nova York. Estou pagando pra ficar em casa.
Tá, bate aquela culpa, vir até essa lonjura, pagar a maior grana, pra ficar trancada em casa? Meu grilo falante interno não pára de ralhar comigo.
Só que não estou, em absoluto, parada. Minha cabeça fervilha. Desde o começo, um dos objetivos desta viagem foi trabalhar num novo livro, algo bem mais complicado do que tudo que eu já escrevi.
Eu vinha me angustiando, nos últimos meses, com a quantidade de textos inacabados que lotam minhas gavetas metafóricas. Depois de várias conversas com a escritora Helena Gomes, decidi encarar de frente o problema, e uma longa caminhada a esmo, dias antes da viagem, me colocou no caminho certo e me encheu ao mesmo tempo de energia, determinação e um medo acachapante. E se não desse certo? Bom, o único jeito de descobrir seria tentando, e a viagem parecia uma excelente possibilidade de deixar outros problemas de lado e me concentrar nesse desafio.
Como resultado, brinquei com meu caderno de anotações durante as três últimas semanas, revisei interminável e obsessivamente parte do material já escrito até que, bingo!, consegui por fim achar um bom ritmo.
Isso foi ontem, e foi muito legal. Não apenas consegui ir adiante na história, como encontrei um jeito de incorporar trechos que havia escrito sem saber direito como inserir na trama principal. O que mais me entusiasmou foi ter criado uma cena bem legal, e inesperada até pra mim. Adoro quando isso acontece!
Durante a manhã escrevi em casa. De tarde, a Clau me convenceu a acompanhá-la até o analista dela. Levei o laptop, e fiquei escrevendo enquanto ela estava em consulta. Como rendeu! A mudança de cenário funciona que é uma beleza pra mim. Estar acomodada em um sofá macio e muito hippie num quartinho aconchegante e bagunçado de um terapeuta holandês que toma mate argentino, num dia de chuva, é muito mais estimulante do que lutar com a imaginação durante horas em meu escritório, que já conheço até a última rachadura da parede, cercada dos problemas diários, ao alcance do telefone, do celular e dos emaranhados viscosos da burocracia e dos problemas diários.
E tem toda a coisa de estar cercada por uma cidade que, no meu imaginário, está povoada de vampiros e outros seres sobrenaturais. Enquanto esperava para ser atendida, a Clau pediu para ver um pedacinho de Blood Ties. Caramba, o que estava ali na tela do laptop era a paisagem urbana que acabávamos de cruzar. Quando fiquei só, estava completamente mergulhada numa atmosfera de aventura e fantasia, que fluiu com uma facilidade incrível para dentro do texto.
Pra ajudar, tem mais duas coisas. Primeira, estou lendo um livro que a Clau pegou na biblioteca, "100 Things Every Writer Needs to Know". Você é escritor e acha que sabe tudo sobre sua atividade? Believe me, you don't. É um livro tão simpático, tão sensato, tão amigo, que é impossível não querer pôr tudo em prática de imediato.
Segunda, a Claudia ama escrever. Durante anos ela foi editora de literatura no jornal Valor Econômico. Ela está retornando a suas paixões profissionais agora que o Andrew está grandinho. E como é bom poder trocar idéias com alguém que não apenas escreve muitíssimo bem (ela tem uma redação e um vocabulário como poucos que eu já tenha visto), mas que não tem nem vestígios da arrogância e egolatria que grassam entre escritores com um décimo do talento dela.
Bom, este longo post sobre uma viagem mais interior que geográfica foi o aperitivo para o dia de hoje. A chuva mansa lá fora me convida a atacar o prato principal. Alguém está servido?
beijos e queijos de minas
Martha Argel
terça-feira, 15 de maio de 2007
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