Uma viagem ao Cambriano! Foi o que fiz ontem, durante algumas horas. Minha amiga Yasmin trabalha na seção de Paleontologia do Royal Ontario Museum, e me convidou para conhecer o lugar. Imagina se eu não ia aceitar! Assim, meio-dia em ponto lá estava eu no portão reservado pra pesquisadores e funcionários, pendurando na roupa um deselegante crachá de papel cor-de-laranja, meu laissez-passer que me daria acesso à Paleonto e também à área de visitação pública.
O museu é, como todos os museus, um labirinto. Escada daqui, corredor dali, vira à esquerda, passa pela primeira porta, segue em frente e de repente... ahá, estamos na Paleontologia, cercadas de armários altíssimos, bancadas, caixas de papelão e um caos tremendo. Me senti em casa. Anos freqüentando museus, e há muito não faço isso.
A Yasmin foi uma guia excelente. Num lugar quase inacessível por conta das caixas amontoadas no corredor, ela mostrou a bancada onde trabalha, conferindo e organizando a i-men-sa coleção de fósseis coletados num dos lugares mais interessantes do mundo pra quem gosta de história bem antiga: o sítio paleontológico de Burgess Shale, situado na British Columbia, oeste do Canadá. A fauna de Burgess Shale viveu no começo do Cambriano, há cerca de 530-520 milhões de anos, e é composta em sua maioria por grupos animais que há muito se extinguiram. Um detalhe muito pitoresco desses animais (eles em si muuuuito bizarros) são os nomes com que foram batizados pelos cientistas: meu preferido é Hallucigenia, e tem Aysheaia, Wiwaxia, Pikaia, Amiskwia, Opabinia. Tudo muito engraçado.
Tive nas minhas mãos uma série deles. Antes que me perguntem quantos metros de comprimento um Canadaspis ou uma Ottoia têm, a maioria não tem dez centímetros. Devo postar algumas fotos, e aí vai dar pra ver a carinha do material.
Pra quem quer conhecer um pouco mais sobre a fauna de Burgess Shale, recomendo o site da Wikipedia em inglês (porque não tem na pobre versão brazuca, onde páginas de relevância duvidosa abundam), além do site da Universidade de Calgary, Se quiserem ir além, podem ler o simplesmente espetacular livro de Stephen J. Gould, Vida maravilhosa (com certeza fora de catálogo em terras tupiniquins, então aprendam inglês pra ler no original, Wonderful Life). E eu falo um pouco sobre esse livro num artigo que publiquei muitos anos atrás. Vamos lá, leiam, que um pouco de cultura científica não faz mal a ninguém.
Minha amiga me mostrou gavetas e gavetas de material, me explicou o sistema de organização da coleção e caçou pra mim algumas celebridades. Depois disso, deixando as estrelas um pouco de lado, ela me mostrou suas peças favoritas – grandes placas com dezenas de trilobitas fossilizados juntos. Nossa, maravilhosos! Ah, se vocês não sabem o que são trilobitas, dêem uma fuçada no Google, são uns artrópodes já extintos muito legais, vocês vão curtir!
Depois disso, demos uma volta rápida pela área de visitação pública. A exposição da fauna de Burgess Shale é decepcionante, três vitrininhas num canto, onde eu as tinha visto dois anos atrás. Talvez seja só uma exibição tapa-buraco, pois em breve a exposição de palentologia vai estar alojada na seção nova do museu, a ser inaugurada em junho. Mas a Yasmin não mencionou ninguém montando uma exibição nova, e suponho que essa fauna maravilhosa será totalmente eclipsada por tiranossauros e apatossauros. Injustiças da vida...
Conversamos muito. Não agüento ver um cientista promissor perdido nas dúvidas de início de carreira. Tive sorte quando comecei, pois havia alguém ao meu lado, me ajudando, me explicando e confiando no meu trabalho. A doutora Liliana Forneris sempre foi e sempre será meu modelo de cientista séria, competente, profissional, ética e sobretudo apaixonada pela Ciência. Espero que a Yasmin encontre alguém assim para ajudá-la. Seria um pecado desperdiçar o brilho que há em seus olhos quando eles percorrem os vastos espaços do museu, chamando-os de casa.
Saí do museu feliz por ter visitado mais um dos highlights da paleontologia tropical. Se vocês não lembram, uns anos atrás cruzei a Patagônia atrás de dinossauros, numa caçada mais do que produtiva.
De noite saí para jantar com Elena e Giuseppe, os dois médicos italianos que conheci no ônibus para NY. Fomos a um restaurante de cozinha do Oriente Médio e África, chamado 93 Harbord. Comi um peixe, acho que chamava bronzino, mas não tenho certeza. Estava muito bom. Meus dois novos amigos são ótimos, rimos muito, conversamos muito. É esquisito falar inglês com italianos, mas eu já não lembro mais nada do que aprendi nos dois meses em que passei na Itália.
Voltei pra casa quase onze da noite. Tive de caminhar até a estação Museum do metrô (a mesma que usei de dia, e a mais próxima do prédio de Henry Fitzroy) e depois da King até em casa. Um frio do cão, e ruas em muitos locais totalmente desertas. Exciting! Adorei. Como aliás adorei o dia inteiro.
beijos e queijos e comida do oriente médio a todos!
Martha Argel
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