Eu já disse que não quero ir embora? Eu não quero ir embora.
Talvez queira. Nos últimos dias, ou quem sabe nas últimas horas, uma borboleta inquieta bate asas dentro de minha cabeça, ou de meu coração. Os ventos me empurram. Preciso de novidades, uma ou outra loucura daquelas que fazem a vida valer ser vivida. Às vezes o sonho em si é suficiente.
Em meu antepenúltimo dia de Canadá estive, quase sem planejar, em dois pontos turísticos de Toronto.
Saindo para caminhar a esmo de manhã, cheguei ao Distillery District, uma antiga área industrial transformada em um grande espaço para o lazer – grandes galpões antigos, de tijolos, com ruelas de paralelepípedos. Mas é lazer à la norte-americana, lugar de gastar dinheiro com compras, arte e comida caras. Procurei por algum museu que perpetuasse a história do lugar. Não tinha. Só as fachadas dos prédios mesmo. Não julguei nem que o lugar merecesse fotos. Fiquei pensando que talvez antes da modernização o lugar fosse usado como locação para filmagens. Agora não dá mais. Perdem os filmes. E as pessoas ainda se espantam por menos filmes serem rodados aqui.
No almoço, o Terry e eu aproveitamos que a Clau estava fora, no trabalho voluntário dela, e comemos lagostas. Hummmmmm! Com vinho. Hummmmmm! Tava tudo ótimo até que a Clau ligou e contou que um caminhão tinha batido no carro dela. Ela estava bem. O carro, amassado mas em condição de uso. Oh well. Lá se foi nossa alegria.
Ela chegou toda jururu, e me pediu para acompanhá-la pelo resto do dia. Ok, claro! Não resolveu, mas ajudou. Fizemos um monte de coisas na região da Bloor. E, pra variar, eu estava lendo um conto da Tanya Huff. Que se passava todo na Bloor e adjacências. Tá, já não é mais novidade que essas coisas aconteçam, né?
De noite saí para jantar com a Claudia E. e o Gustavo, e de novo tive problemas com o metrô. A plataforma na King estava lotadaça. Xi. Um longo aviso saiu dos alto-falantes, como sempre totalmente incompreensível, só entendi, “we apologize for...”. Perscrutei as faces ao redor e como só vi tédio, deduzi que não havia interrupção total. Devia ser só atraso, mesmo. E de fato era isso.
Finalmente cheguei ao meu destino e conheci o segundo ponto turístico do dia, o bairro grego. Um paraíso gastronômico.
Fomos comer numa creperia. “Pra beber?”. Ginger-ale diet. Hum... não tem, me desculpe. Ginger ale normal. Ok... hum, hã... não tem, me desculpe. Tá, Pepsi diet. Oh, me desculpe, não tem. Ok, ok, Pepsi normal. No final: um crepe de geléia de laranja com chocolate amargo. Ok... oh, me desculpe, eu achei que tinha mas não tem, pode ser geléia de morango? Na hora de pagar, o Gustavo sugeriu que a gente dissesse “dólares? Oh, me desculpe, a gente achou que tinha mas não tem, pode ser reais?”
Dali fomos tomar um café, ops, chafé. Entramos num Timothy’s, segundo o Gustavo, a melhorzinha entre as cadeias de café. Estávamos na fila quando uma salva de palmas frenéticas nos surpreende. Havia um monte de gente sentada, olhando uma mulher vestida de preto? Despedida de solteiro? sugeriu o Gustavo. Perguntei pra caixa. Resposta toda animada “Oh, it’s Friday. Comedy night”. A mulher de preto tinha uma voz esganiçada e aguda, que doía no ouvido. O Gustavo fez cara de terror. “E eles estão rindo!” Era verdade. A balconista de vez em quando dava risada. Os cafés não vinham nunca. A mulher chamava a platéia pra participar. Gustavo: vamos ficar aqui, bem longe. A balconista: vocês têm de pegar os cafés ali no outro balcão. A escassos três metros da mulher. Fomos pra lá, com olhos arregalados de terror. Gustavo: “mas quanto tempo demora pra fazer esses cafés?!” O sujeito parecia que estava pintando a Santa Ceia. Cheio de técnica. O pior é que o resultado, a gente sabia, ia ser a catástrofe de sempre. O sujeito entregou dois copos, os capuccinos meu e da Cláudia. “A gente te espera lá”. Olhar aterrorizado do Gustavo, enquanto escapávamos para o fundo da loja. A mulher ainda se esgoelava. O povo ria. E finalmente o Gustavo se juntou a nós e saímos para a segurança e a paz das mesas externas. Ufa. Que aventura besta.
Não houve contratempos no metrô da volta. E a caminhada de King até em casa, nas ruas escuras mas não vazias da noite de sexta-feira, teve um gostinho de despedida. Por que é que a gente sofre por antecipação?
beijos e queijos a todos
Martha Argel, quase aí
sábado, 26 de maio de 2007
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