domingo, 20 de outubro de 2002

Eu não ia postar nada hoje, mas o assunto do rio poluído despertou atenção. Então tá. Vou falar do rio, que não interessa qual é, e que vou chamar de Terror.
Pois bem, o Terror atravessa uma linda floresta. Você vai por uma estradinha de terra e lá na frente você vê uma ponte amarela. Quando chega na ponte, você percebe que algo muito errado acontece com o Terror: primeiro, as águas são nojentas, estagnadas, uma cor doentia, um verde quase negro, com bolhas de gases presas na superfície. E imediatamente você sente o fedor. Não é de merda, não é de podre. É algo que só pode ser descrito como insuportável. Aí você começa andar pela margem, rio acima, no meio da mata. O rio parece um lago, absolutamente imóvel. O que quer dizer isso? Que não vem água lá de cima. Estamos atravessando uma forte seca, sabe. Não chove, o rio não corre, a água estagnada perde o pouco oxigênio que tem, e o rio fica TOTALMENTE MORTO. Você continua subindo. De repente, um susto: no meio do rio, parece que algo está vindo à superfície. Ali. E ali. Lá. E mais adiante. Parece que todo o rio está vivo, com algo, que você não sabe o que é, subindo à tona por toda parte. São gases e substâncias que estavam presos no fundo do rio, sendo liberados para a superfície. É impressionante. Você continua subindo. Aves aquáticas sobrevoam, mas nunca pousam nas águas podres. Que pensarão elas dessa água venenosa, sem peixes? E de repente... cacete! A água está vermelha? Que porra...? Claro, alguma descarga de produto químico. Não é só a bosta e os detergentes residenciais que vêm parar aqui, neste rio morto que atravessa um paraíso. Os empresários têm tanto direito quanto as donas de casa de fuder com os recursos naturais. E você segue subindo até que escuta o barulho de água corrente. Feche os olhos, tampe o nariz e escute os passarinhos e o murmúrio líquido. Lindo, né? Pois você chegou ao ponto de despejo de esgoto. Aquela cachoeirinha ali na frente é a fonte de toda a bosta cujo cheiro, numa altura destas, já está revirando seu estômago.
Vá subindo. Lembra que o Terror está parado por causa da seca? Pois incrível, quem disse que um rio sempre corre para baixo? O fedor e a água morta estão também acima do ponto de despejo de esgoto. Há tão pouca água que o esgoto se espalha nas duas direções.
Mas prossiga, vá até aquela ponte ali. Antes da ponte a poluição cessa. A água do rio está limpa, um verde saudável. Peixinhos se agitam perto da superfície. Por todo lado. Não são gases, são peixinhos de verdade. Mas, ei, eles estão muito agitados. É falta de oxigênio: eles estão morrendo. Então aparece um homem com um saco de pão “Vim trazer pros peixinhos [enquanto esfarela os pães e joga na água]. São lambaris. Eles estão morrendo de fome. Eles não conseguem descer o rio por causa da poluição, e não conseguem subir por causa da barragem da captação de água. Eles estão presos aqui. Semana passada tinha muito mais, mas acho que a maioria já morreu. Vão morrer todos se não chover”.
Continue rio acima. Agora sim, há aves na água. Biguás e socós. Devem estar felizes, comendo os peixinhos que não têm como fugir.
E por fim você chega numa barragem. É ela que retém a água que deveria fazer o Terror fluir. Ali é a captação de água. Que quer dizer isso? Que dali é retirada a água para abastecer a cidade. A água que deveria fluir no rio, e levar oxigênio para os peixinhos, e carregar a poluição rio abaixo, e TORICAMENTE diluí-la e permitir que processos naturais aos poucos a neutralizassem, essa água é captada aí e levada, através de uma tubulação eficiente, para que os moradores possam desperdiçá-la lavando a calçada, deixando a torneira aberta enquanto escovam os dentes, largando a mangueira jorrando enquanto vão atender o telefone, essas coisas que eu e você fazemos todos os dias porque achamos que é NORMAL.
Eu gostaria de falar mais, mas não posso, não sou padre nem médico, mas tenho de respeitar o cliente que está me pagando para que meus conhecimentos técnicos ajudem a prevenir problemas. Não vou fazer denúncias e nem criar movimentos populares. Meu papel é só um: mostrar que a construção de uma rede de coleta de esgotos NÃO vai trazer impactos negativos para a fauna hoje existente na área. Parece ridículo, né? Mas legislação é legislação, não vou entrar no mérito da coisa porque não meto o bedelho em áreas que não são de minha competência. Não vou entrar no gabinete de político nenhum batendo na mesa e exigindo que as coisas sejam feitas. Só vou fazer o que posso: mostrar que a rede coletora é boa pros passarinhos e torcer pra que o projeto seja aprovado pelos órgãos competentes.

beijosss
tita

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