quinta-feira, 11 de setembro de 2003

Um texto que escrevi hoje, mais cedo, num lugar especial (pra mim, pelo menos):

''Neste momento, nos termômetros urbanos, 10 graus. São Paulo se veste de cores escuras, ar europeu, classudo. Estou sentada em um banco azul, árvores e edifícios à minha frente. Atrás de mim, um prédio enorme, fileiras intermináveis de janelas, uma data na fachada: 1954. Ano que vem faz meio século.
Pra mim, tudo começou neste lugar. Quarto 505, que hoje não consegui visitar. Há 42 anos nós, nenês, nascíamos aos montes por aqui. Hoje não. Em breve voltarão a nascer. ''Questão de dias'', informa o porteiro. Mas hoje os quartos que já viram tantos paulistaninhos vir ao mundo estão vazios. ''Não há pacientes, o centro cirúrgico está em reformas'', ele explica, ''os carros aí fora são dos prédios vizinhos''.
Nas árvores do jardim ouço cambacicas, bentevis e maritacas. Não cantam os sabiás cujos antepassados cantavam numa manhã clara, tantos anos atrás.
É a segunda vez que venho aqui. Cheguei caminhando. Na primeira, não. Cheguei de outra forma. E em outro sentido, muito mais amplo.
O vento frio sopra e balança as folhas ao meu redor.
É estranho. Já subi os Andes, desci ao Fim do Mundo, atravessei o Atlântico. Mas estou aqui. Tantos anos e tantos quilômetros, e estou de volta exatamente ao mesmo ponto onde começou esta minha longa viagem.
Acabo de ver um sabiá. Agradeço-lhe pela trilha sonora, a primeira de minha vida.
E então, no meio da folhagem, outro sabiá começa a cantar.
Era isso que eu queria. Cumpri minha missão.
Hora de tocar a vida adiante.''

Fiquem bem, todos.

Martha Argel

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