quinta-feira, 11 de setembro de 2003

Onzes de setembros

Este onze de setembro ainda não amanheceu .
Noutro onze de setembro, faz exatamente um ano, eu postava aqui uma história triste. ''Ainda. Sempre.'' ela se chamava. Me fez chorar então. Hoje não faz. Devo estar num daqueles períodos glaciais que às vezes se impõem ao coração da gente. Talvez seja a força preservante do gelo que nos traz a paz.
Há dois anos, em outro onze de setembro, o mundo descobria o quão frágil é a vida. Eu vivia meu momento particular de inquietude e sobressalto, e me indignei com a intrusão insolente da política internacional em minha vida e em meu caos emocional. Por que justo num onze de setembro? Porque justo naquele onze de setembro?
Ainda num onze de setembro, trinta anos atrás, eu brincava, espalhada no assoalho do meu quarto junto com livros, brinquedos, tesourinha de ponta redonda e recortes de papel, e pela janela aberta entrava o sol de quase-primavera, quando ouvi no rádio a notícia. Lembro-me de levantar a cabeça, assustada, ao saber que, enquanto eu estreava feliz os meus doze anos, a milhares de quilômetros uma revolução fazia um presidente aplicar um tiro fatal na própria cabeça. Um militar subiu ao poder. Mesmo sem entender de política, concedi a esse ditador o status terrível de meu inimigo pessoal. Nunca lhe desculpei pela afronta de me ensinar que a vida é desigual, e que, no mesmo instante em que estamos cercados pela felicidade, outras pessoas sofrem. E morrem. Anos atrás, seu processo, sua extradição e sua doença tiveram para mim sabor de justiça.
E faz quarenta e dois anos, meu primeiro onze de setembro. Numa manhã ensolarada, o sabiá cantou pra mim.
Como canta agora, na madrugada de mais um onze de setembro. Chuva, frio e vento lá fora, reflexos brilhantes das luzes nas poças d'água. Ainda é noite. Mas ele já canta.
Canta pra mim.
Alguém aí duvida?

beijos a todos

Martha Argel


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