Nossa, tem um monte de coisas pra contar! O mau tempo intermitente nao tem atrapalhado muito esta minha nova experiencia canadense. Faz um pouco mais de frio do que eu esperava, mas e' estranho como uma temperatura de 13 graus pode ser insuportavel em Sao Paulo e perfeitamente confortavel aqui. As vezes saio sem maiores preocupacoes, um casaco sobre a camiseta, e sinto um leve incomodo com o vento frio, que me faz fechar o ziper ate' o pescoco. Entao fico sabendo que faz 13, 15 graus. Se fosse em Sao Paulo, provavelmente estaria neurotica com mil camadas, cachecois, botas e os malditos pes gelados.
Bem, segue-se um relatorio sucinto do que foram os ultimos dias. Tres partes principais: APP, PP, PPP.
- Antes de Point Pelee: passei um bom tempo com a Clau e vaguei meio a esmo por downtown, matando as saudades e fazendo algumas compras. Nada muito especial, exceto para mim. Engracado, parecia que eu nunca tinha ido embora, que simplesmente estava retomando uma rotina familiar e conhecida. Caminhando pelas ruas, voltei a entrar no ritmo da cidade: esperar o sinal para cruzar a rua, mesmo que nao haja carro algum a vista, sentar um instante numa praca para ler, pedir desculpas e agradecer pequenas gentilezas 330 vezes por minuto. Os caixas das lojas sempre tem troco. As pessoas seguram as portas para voce. Sempre ha' um lugar onde sentar e observar as pessoas. Afinal, isto aqui e' o Canada'.
- Point Pelee: na sexta-feira, tomei um trem de suburbio e fui pra Mississauga. Primeira aventura: quase perdi o trem, embarquei no ultimo minuto e esqueci de validar o bilhete na maquina que tem na estacao. Claro que, cinco minutos depois da saida, um condutor que NUNCA passa passou verificando as passagens. Me deu uma bronca mas quebrou meu galho, e me orientou a validar o bilhete assim que descesse. Meus amigos Larry e Sheila me esperavam la', e zarpamos para o parque nacional de Point Pelee, extremo meridional do Canada' e paraiso dos observadores de aves, ou birders, que revoam pra la' exatamente nesta epoca do ano para observar a migracao.
Foi uma das experiencias mais bizarras. Vc ja' nota isso quando chega em Leamington e ve os cartazes "Welcome Birders". E' um dos lugares mais frequantados do mundo, mas apenas nas tres primeiras semanas de maio. Incrivel.
E uma vez no parque, a coisa e' mais maluca ainda. Um trenzinho absolutamente apinhado de birders carrega vc do estacionamento para a parte extrema do parque, uma ponta de terra que entra pelo Lago Erie adentro. Ai' vc esta' por sua propria conta, a pe' pelas trilhas, junto com centenas de birders, talvez milhares. Todos os caminhos ficam absolutamente congestionados, uma massa humana encapotada e munida de binoculos, lunetas, guias de campo, que seguramente custaram, em conjunto, varias centenas de milhares de dolares. O mais interessante e' que eu nao precisava procurar as aves, era so' ir de multidao em multidao, perguntar o que e' que tinha ali e seguir a mesma direcao de dezenas de outros binoculos. Vc nao observava aves, observava os birders, e chamei isso de "tecnica do urubu" - quando os urubus planam bem alto, eles estao de olho nos outros ao redor; assim que os outros convergem para algum ponto, eles vao atras, na esperanca de que tenham achado algo bom. A gente fazia isso la' em Pelee. Ocasionalmente usavamos outra tecnica, a "tecnica do bando misto". Vc achava alguem que conseguia achar muitas aves e grudava nele, em geral com mais outras pessoas; a ideia por tras disso e' que muitos pares de olhos acham mais aves do que um unico par.
Aquilo la' parecia, na verdade, um grande shopping center de aves!!! Muitas vezes, o problema era ter mais compradores que produtos disponiveis. Na manha do primeiro dia, quando estavamos bem na ponta, eu tinha absoluta certeza de que nao havia uma ave sequer na area que nao estivesse sendo observada. E todo mundo sabia exatamente onde estavam TODAS as aves. Vc parava qualquer um e perguntava: "onde e' que tem um red-headed woodpecker?" Ai' a pessoa te dava as indicacoes precisas: pega a trilha tal, depois da segunda ponte tem uma curva a' esquerda, ele esta na terceira arvore morta do lado norte. Vc apenas seguia as instrucoes e simplesmente parava quando encontrava uma uma nova multidao no local indicado.
O nivel de comunicacao e de troca de informacao era incrivel. Tinha gente que se comunicava por celular e por walkie-talkie pra chamar os outros ou receber as noticias dos novos avistamentos. No Centro de visitantes tinha um computador pra vc colocar suas observacoes na rede em tempo real, de forma que qq pessoa do mundo podia saber que naquele dia vc viu 22 especies de warblers (uns passarinhos pequenininhos e coloridos, que sao as grandes estrelas do evento). Tbm um enorme mapa do parque onde todas as raridades vistas nos dois ultimos dias estavam assinaladas nos locais exatos de avistamento, e uma lista gigante com todas as especies vistas ao longo do mes.
A gente tinha de ficar de ouvido atento, pegando os pedacos de conversa de outras pessoas, para saber as especies recentemente avistadas nas imediacoes de onde vc estava. Ate na fila do banheiro vc podia "capturar" boas dicas. Passando so olhos pela lista gigante, vi que tinham visto um Pacific Loon, uma especie que eu nunca tinha visto, e que nao devia estar la' porque vive muuuuito longe do Lago Erie. Comentei com uma moca que estava do meu lado, e ela disse "ah, o loon esta na praia [nao entendi], quando eu fui la' tinha mais ou menos uns cem birders olhando ele". Encontrei a Sheila no banheiro, contei pra ela e ela exclamou "fantastic! Precisamos ir la'!".
Checamos no mapa o local preciso onde a ave estava e em menos de 20 minutos la' estavamos nos, tentando ver algo no meio das aguas do lago Erie, junto com umas trinta outras pessoas. O bicho era uma manchinha laaaaaaa' longe. que so' consegui ver pq fiquei rondando as lunetas alheias como uma varejeira na carnica, ate' que alguem se apiedou e me deixou ver. Ou eu fui la' e pedi na cara dura.
Ah, foi simplesmente fan-tas-ti-co. (Teria tantas tantas tantas coisas interessantes mais pra contar, mas sinceramente quero terminar este post o mais rapido possivel, pra sair e bater perna debaixo da chuva).
- Pos-Point Pelee: na volta de nossa fantastica expedicao, Larry e Sheila me convidaram pra tomar um cha na casa deles antes de pegar meu trem pra T.O. Aproveitamos para observar mais algumas aves no maravilhoso quintal deles e o Larry me deu de presente os romances policiais que ele escreveu muitos anos atras, sob o nome de L.A. Morse. Ele chegou a ganhar um premio com um deles. Estou tentando convence-lo a voltar a escrever!
Ontem foi um dia familiar. Fiquei em casa de manha, fomos almocar os quatro, Clau, Terry, Andrew e eu. Depois fomos passear em Cherry Beach e nas Beaches, o distrito elegante 'as margens do lago Ontario. E pra finalizar, a Clau e eu fomos a uma incrivel loja de equipamentos de outdoor e fiz mais umas comprinhas basicas (ai, jesus, e eu com essas malinhas ridiculamente pequenas!). A grande aventura do dia foi receber uma robusta cagada de um pombo enquanto passeava numa praca. Tinha coco ate' dentro da orelha!
Um parenteses final: no meio de toda esta tranquilidade e da disciplinada vida canadense, o choque de ficar sabendo o inferno em que se transformou minha cidade foi terrivel. Ainda estou totalmente passada. Que merda de pais. Que merda de politicos. Que merda de governo filho-da-puta, mesquinho, incompetente, patetico, ridiculo, inutil e, acima de tudo, imprestavel. Nao estou falando de PT ou de PSDB. Estou falando de uma nacao de egoistas corruptos, em todos os niveis. Criamos nossos filhos numa cultura de falsidade, cobica, inveja, ignorancia e pouco-caso. Qual poderia ser o resultado?
ate' mais
Martha Argel
terça-feira, 16 de maio de 2006
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