quinta-feira, 14 de novembro de 2002

Tem coisas que são maiores até que minhas próprias dúvidas e indecisões.

Estou escandalizada.
Agora há pouco, tomando café com minha mãe, meus olhos caíram sobre um papel, obviamente um xerox ampliado. “Trabalho de um dos meninos”, me ocorreu, pensando em meus dois sobrinhos. Comecei a ler.

Solarização da Água
No decorrer do ano, os alunos da 3a série estudaram a importância do Sol no nosso planeta e também descobriram que a solarização é simples. A terapeuta Miriam Santos Leiner, São Paulo, recomenda colocar garrafas coloridas cheias de água (de mina ou filtrada) sob os raios do sol da manhã por duas horas. Os vidros podem ser transparentes e receber uma cobertura de papel celofane com a cor mais adequada à necessidade do momento: vermelho é usado para estimular a prosperidade; laranja, para a vitalidade; amarelo para o poder pessoal e a inteligência; verde, para a saúde; rosa para favorecer os assuntos amorosos; azul-claro para a auto-expressão; índigo para a criatividade; e violeta e branco (transparente) ativam a espiritualidade. Pode-se tomar 1 litro dessa água durante três dias. Não conserve o conteúdo além desse período.
Fonte: Revista Bons Fluídos (sic), maio 2002, no 36, pág. 10.


Só então entendi porque é que meu sobrinho de nove anos apareceu com duas garrafas revestidas de celofane colorido. Eu já tinha achado um absurdo que a atividade de artes desse como resultado uma coisa tão horrível e estúpida. Não conseguia imaginar que a realidade fosse tão mais grotesca.

Suponho que essa atividade tenha sido dada um pouco depois de uma aula de português sobre como tornar mais eficiente sua comunicação com seu anjo da guarda, uma aula de literatura sobre os romances psicografados, uma aula de ciências sobre a importância dos horóscopos e da quiromancia no nosso dia a dia, uma aula de geografia sobre a importância de colocar garrafas d’água em cima do registro para atenuar a crise de abastecimento de água, sem falar, claro, nas aulas de arte abordando o feng shui. Espero que não tenham esquecido de ensinar que a privada é um grande escoadouro de energia do lar, e é por isso que a tampa tem de estar sempre abaixada e a porta do banheiro fechada, porque senão a felicidade escorre junto com a água da descarga (já ouvi isso a sério, juro). Vou sugerir que no ano que vem ensinem também a prever o futuro através da interpretação de sonhos e a combater a ação maléfica dos vampiros emocionais. Melhor ainda, que parte da carga horária de ciências seja utilizada em uma nova disciplina, Esoterismo ou Auto-ajuda.

NUNCA VI TAMANHA PALHAÇADA!!! Irresponsabilidade, ignorância, credulidade. Será que foi a professora de ciências que deu seu aval a essa bobagem new age? Caralho, que mais andarão ensinando meu sobrinho? A votar em evangélicos para que Deus assuma o poder no país?

O nome da espelunca é Colégio Ricardo Nunes. Uma escola conceituada aqui no bairro, tida como séria e conservadora (se bem que uma vez fui numa festa junina e notei que a professora de uma das classes de pré-escola usava calças tão justas que permitiam uma leitura labial quando ela caminhava). Estudei lá quando criança. Nunca aprendi a solarizar a água. Talvez por isso seja desfavorecida nos assuntos amorosos, e que me sinta tão completamente perdida emocionalmente. Será que é tarde para começar?

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