Bons dias. O Natal se aproxima, tenebroso: fim de ano, fim de fôlego, balanço do que deu errado, perspectivas inquietantes. No fundo, no fundo, não dá pra sentir nenhum clima de festa. As pessoas estão exaustas e sabem que o descanso (pouco) será insuficiente pra agüentar o país de 2004.
O fim da infância
Nesta nossa era de adultescência hiperprolongada, a maturidade vem aos poucos, principalmente pra quem é como eu, profissional liberal do gênero feminino, descasada, sem filhos e aspirante a uma vida econômica próspera o suficiente para garantir ao menos a grana pro asilo na velhice. Eventos únicos marcam esse processo: a morte do pai, o casamento, a separação, o primeiro compromisso profissional no exterior, o livro nas livrarias, a abertura da empresa. Engraçado, também me senti mais adulta o dia em que descobri quais os dias do lixeiro e assumi a responsabilidade de pôr o lixo pra fora no momento certo.
Outro dia encontrei um bilhetinho em minha geladeira: "Gosto muito de você e queria saber se você quer ser minha madrinha, vou continuar gostando mesmo se você não quiser, beijos". Obra da Letícia, 12 anos, moradora de uma periferia miserável.
Difícil conter as lágrimas. Difícil não lembrar da merda social que é esse país, da passividade de uma classe média egocêntrica, egoísta e insensível. Dos seres humanos desperdiçados em meio à indignidade de favelas e invasões.
Bateu um medo de ser igual à maioria inerte. O medo de não estar à altura de minha responsabilidade, da responsabilidade que deveria ser de todos. A certeza de que a Letícia merece muito, muito, muito. Muito mais do que poderei dar.
De qualquer maneira, paúra à parte, vamos lá. Pelo menos minha parte vou tentar cumprir. Já é bem mais do que a maioria faz.
O rapto do Menino Jesus
Hoje de manhã aproveitei a caminhada e entrei na igreja para pensar um pouco na vida. Tinha um presépio armado e parei pra olhar. Figuras bonitas, muitas flores, provavelmente colocadas por fiéis, dois embrulhos de papel que talvez fossem oferendas e... Jesus! Quer dizer: cadê Jesus?! A manjedoura estava vazia. Maria, José e um pastorzinho tocador de flauta olhavam fixamente o lugar onde deveria estar deitadinho o salvador recém-nascido e onde não havia nada. Era como se estivessem pasmos, não acreditando no que viam. Ou no que não viam. Eu também não acreditei. Desviei os olhos, olhei de novo, vai que deu um curto no meu nervo óptico, mas não, nada de errado com minhas sinapses, o Filho de Deus NÃO ESTAVA LÁ! Raios. Saí em busca de algum funcionário da igreja. Lá fora achei um: “Desculpe, senhor, por que é que o Menino Jesus não está no lugar?" "Ele tá lá" "Não tá. A manjedoura está vazia" "Ah, fala com o guarda" "Mas o senhor não é guarda?" "Tem um guarda dentro na igreja" "Não tem, eu não vi" "Tem sim, procura lá" Ele deve ter pensado que eu era meio idiota: não via Jesus, não via guarda... Voltei lá e por fim achei o guarda num canto. E ele resolveu o mistério: ninguém tinha levado embora o Redentor, não. Já tinha acontecido antes, sim, mas dessa vez era só o costume da igreja: o Menino Jesus é colocado no presépio quando montam, mas depois eles tiram. Só voltam a colocar à meia-noite do Natal. Faz sentido, não faz? Simbologia do nascimento, e enquanto isso Maria, José, o pastor, você e eu ficamos olhando e venerando um leito vazio. Bonito. Uma prova de fé por parte dos paroquianos.
Peixe podre
Li no jornal agora há pouco: 99,9998% do iG pertencem à iG Cayman, com base nas ilhas Cayman, que são muito mais do que um idílico arquipélago tropical. Algo fede muito nessa história. Gente honesta não costuma ter empresas em paraísos fiscais.
Noite de autógrafos
Giulia Moon e eu estaremos autografando nossos livros Luar de vampiros e O vampiro de cada um neste domingo, dia 21, no Absolute Beginners, que vai rolar no DJ Club, na al. Franca, 241 Jardins (perto do metrô Trianon-Masp), a partir das 18:30 - até 19:15 a entrada é livre!). O som é anos 80, com destaque para o gótico. O lugar é muito bacana. Apareçam por lá. Não vão se arrepender!
Beijos e queijos, e desde já cuidado pra não se descontrolarem na comilança de fim de ano!
Martha Argel
sábado, 20 de dezembro de 2003
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