sexta-feira, 21 de novembro de 2003

Bom dia a todos. Na madrugada chove, e o sabiá canta lá fora. Já não canta como há um mês. A estação reprodutiva vai bem avançada, e os machos não precisam mais conquistar fêmeas, e sim criar os filhotes, que há vários dias começaram a sair dos ninhos.

Quais as cenas mais horripilantes em que vocês pensam quando alguém diz cemitério? Pois faço aqui um breve relato de minha recente experiência.

Ontem visitei, a trabalho, um cemitério num município da Grande São Paulo. Cemitério-parque, bonito, florido. Ladeando cada lápide, dois tubos enterrados no chão, suponho que de PVC, com cerca de dez centímetros de diâmetro e uns vinte de profundidade, fechados no fundo e destinados a servirem de vasos. Na maioria das vezes, porém, servem como armadilhas. Vocês calculam a quantidade de baratas que existem num cemitério?! Pois é. Adivinhem o que elas comem. A gente não percebe, mas os bichinhos infestam o lugar. Devem sair de noite, passeiam por toda parte e... caem nos tubos e não conseguem mais sair, pois os tubos são lisos e altos. Minha sócia Cli e eu, morbidamente interessadas, examinamos dúzias de armadilhas. Em muitas, havia uma camada compacta de uns cinco centímetros de espessura, dezenas de baratas movendo-se frenéticas, umas sobre as outras, agitadíssimas, tentando sair desesperadas. Algumas tinhas as asas roídas, indicando que, quando a fome aperta, elas se comem entre si. Nalguns tubos, a água de chuva acumulada transformava-se num caldo espesso de baratas podres. Vimos tanta barata que chegou a hora em que eu tinha a nítida impressão de que elas estavam subindo por dentro da minha calça. Aterrorizante.

Mas outra coisa também me horrorizou. Estavam sendo feitos quatro enterros. A maioria de rapazes novos. "É o mais comum por aqui, rapazinhos mortos em violência ou acidentes", esclareceu nosso contratante. O "por aqui" significa a periferia de uma cidade pobre, violenta e populosa. Dois enterros eram de jovens mortos numa briga de gangues. Mortos por engano. Os cortejos me assustaram. Muitos rapazes, provavelmente as gangues, mas poucas lágrimas. Ali a morte é banal. O crime é aceitável e a violência uma necessidade. Pobre Brasil. Construído com a ajuda de todos aqueles que fumam unzinho no fim da tarde, "pra relaxar", ou dão uma cheiradinha antes da festa, "pra ficar legal". Vão todos à merda.

Bom, menos papo e mais trabalho. Abraços, aproveitem o dia e levem um guarda-chuva, porque parece que vai chover.

Martha Argel

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