
Por algum motivo insondável, poesia em geral não me diz nada. Não, não é que eu não goste de poesia. Eu simplesmente não consigo entender poesia. De novo: não é que eu não goste de poesia. Eu desligo. Meu cérebro não registra. Se estou ouvindo, não compreendo as palavras. Se estou tentando ler, meus olhos vagueiam e param no número da página. Acontecia a mesma coisa com fórmulas matemáticas, na faculdade. Eu não conseguia vê-las.
Mas uma ou outra poesia fura a barreira de minha insensibilidade poética. Não sei o porque. Parece ser aleatório. Uma das raríssimas exceções é essa aí de baixo, que aprendi quando era criança. Ouvi no rádio outro dia, lá no apartamento do meu consorte, na Cidade Maravilhosa. E meu dileto e amoroso parceiro fez a gentileza de conseguir o poema inteiro. A foto aí em cima tirei em Sintra, Portugal, no Palácio da Pena.
Ismália
Alphonsus de Guimarães(1923)
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava perto do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...